Por Valdir Junior
Cada vez mais o horizonte musical de Bob Dylan está voltado para o passado, e isso em hipótese alguma é algo ruim. Para quem vem acompanhando nos últimos anos os lançamentos de Dylan sabe disso, desde 1992 com o álbum “Good as I Been to You” Dylan vem sistematicamente reestudando todo o cânone da música popular americana, e a sua maneira vem revivendo-as como novas composições ou mesmo as regravando.
“Shadows In The Night” é o seu mais novo álbum e o trigésimo sexto da carreira de Dylan. Composto por dez canções, já gravadas anteriormente por Frank Sinatra, entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960, músicas em que a temática do sofrimento e separação é vivenciada pelo intérprete a cada nota, a cada palavra.
Gravado no mesmo Capitol Studios em que Sinatra gravou suas versões das músicas, “Shadows In The Night” traz Dylan com a mesma banda que o vem acompanhado na estrada, em performances quase minimalistas, gravadas em takes únicos, com todos os músicos tocando ao vivo, em círculo, perto um do outro, com pouco espaço entre eles. Produzido mais uma vez por Dylan com seu pseudônimo “Jack Frost”, o álbum tem uma sonoridade limpa e quase celestial devido ao pedal-steel guitar tocado por Donnie Herron em várias faixas.
Dylan no decorrer de sua carreira já gravou diversos covers em álbuns, desde seu primeiríssimo “Bob Dylan” de 1962, assim como “Self Portrait” de 1970 e no malfadado e renegado “Dylan” de 1973 (este uma coletânea de out-takes lançada pela Columbia em represália a Dylan não ter renovado seu contrato), além do já citado “Good as I Been to You” e seu sucessor “World Gone Wrong”. Em todos eles a vontade e o instinto artístico sempre foi o mesmo, encontrar uma nova maneira de contar e cantar as estórias que essas músicas revelavam.
Em “Shadows In The Night” a estória que Dylan nos conta com sua interpretação única e pessoal, passeia por caminhos imperfeitos, cheios de armadilhas, desilusões e noites solitárias, e o som jazzístico com que Dylan e sua banda tocam todas as músicas, fazem a dor, a paixão, o desespero e a esperança presentes na ambiência das músicas, exemplo disso está em "The Night We Called It a Day", que já rendeu um vídeo estilo “noir”, é um dos grandes destaques do álbum, assim como "I'm a Fool to Want You" e "What'll I Do”.
Um dos grandes clássicos gravado aqui por Dylan é "Autumn Leaves", música já gravada por Edith Piaf, Charles Aznavour, Nat King Cole, e mais recentemente por Eric Clapton em seu álbum “Clapton” de 2010, a interpretação de Dylan não é a melhor, mas nos deixa uma sensação de desamparo que nos acompanha muito além da audição da faixa.
Nos últimos anos, já se tornou quase que previsível que grandes astros da música do Rock, do Pop, etc, em algum momento venha a gravar um CD com “canções antigas” com Standarts de Jazz, Rod Stewart (“The Great American Songbook Vol. I-IV”) e Paul McCartney (“Kisses On The Bottom”) só para citar como exemplo, e agora “Shadows In The Night” de Bob Dylan, mas tenha certeza que Dylan não o gravou apenas como uma forma nostálgica de homenagear essas canções, ele as gravou pensando no futuro, repensando o presente.
Notícias mais recentes dizem que Dylan gravou material suficiente para mais um álbum no estilo de “Shadows In The Night”, que pode sair em breve, mas assim como, depois de gravar os álbuns de cover “Good as I Been to You” e “World Gone Wrong”, Dylan se inspirou suficientemente para fazer um álbum como o maravilhoso “Time Out of Mind” de 1997, me pergunto se acontecerá o mesmo num próximo álbum de inéditas. Enquanto isso, se entorpeça com o som de “Shadows In The Night” é diversão e êxtase garantido.