Por Anderson Nascimento
Em 1970 Bob Dylan ainda estava afastado das turnês, participando de apenas alguns poucos shows, e sua carreira fonográfica ainda estava longe de assumir uma direção, embora a forte influência do Country ainda permanecesse viva, como atestam os álbuns “John Wesley Harding” (1967) e “Nashiville Skyline” (1969).
Em junho, Dylan enlouqueceu os críticos do mundo inteiro com o lançamento de “Self Portrait”, um compêndio de canções que incluíam covers de músicas de levada Pop e Folk, além de faixas instrumentais. Quatro meses depois disso, porém, Dylan colocava outro disco nas prateleiras.
“New Morning” veio como uma espécie de volta de Dylan à velha forma, embora inicialmente a base do álbum tenha sido formada a partir das canções “New Morning”, “Time Passes Slowly” e “Father of The Night”, escritas com o intuito de serem utilizadas na peça “Scratch” do poeta Archibald MacLeish, versão musical da peça “The Devil and Daniel Webster”.
Com a desistência do autor em usar as novas canções no musical, preteridas em prol de canções antigas e já consagradas do artista, Dylan decidiu completar o projeto que, por muito pouco, não virou um “Self Portrait II”, com a adição de covers e faixas extraídas a partir de sessões de gravação.
Faz parte desse período, uma famosa sessão de gravação com Dylan e George Harrison (que pode ser encontrada em bootlegs), não aproveitada em “New Morning”, embora "Working On A Guru" e versões alternativas de "Time Passes Slowly" e "If Not For You" tenham aparecido em lançamentos posteriores.
As diferenças em relação ao álbum anterior eram tão claras, que começavam a aparecer já na capa do disco. Enquanto na capa de “Self Portrait” Dylan era representado em forma de uma pintura, em “New Morning” o rosto de Dylan aparecia em foto semiperfilada, sem qualquer referência ao seu nome na capa, como quem diz: “Esse aqui da foto sou eu, Bob Dylan”. Além da aparente mensagem subliminar da capa, outro aspecto chama a atenção nesse álbum. A voz de Dylan soa diferente dos últimos lançamentos, estando muito mais próxima da anasalada voz “clássica” de Dylan da primeira metade dos anos sessenta.
O disco traz canções mais sólidas, com uma sensação de completude que não se ouve em “Self Portrait”. Desde “It Not For You”, gravada e lançada alguns meses antes por George Harrison em seu álbum de estreia solo, é possível perceber inspiração e a intenção de se fazer um disco, no mínimo, mais comercial que anterior, embora Dylan sempre negue que “New Morning” seja uma resposta à crítica pesada que ele recebeu por “Self Portrait”.
Com o repertório todo autoral e inédito, Dylan recorre novamente à temas pessoais. Esse é o caso de “Day of The Locotus”, estimulante faixa que aborda uma insatisfação de Dylan ao receber uma homenagem na Universidade de Princeton.
O Rock presente em “Went To See The Gipsy”, que muitos acreditam se sobre Elvis Presley, o que Dylan não confirma, consolida o distanciamento de Bob Dylan do Country feito em discos anteriores. Mas “New Morning” também não fixava um único estilo musical, já que passa pelo Pop, Rock, Folk, e até chega a acenar com o Gospel, algo que ganharia força e ditaria a sua carreira anos mais tarde.
Além da já citada “It Not For You”, o disco tem outras grandes canções. Uma delas é a própria faixa título, a roqueira “New Morning”, que fala de forma irônica sobre a vida no campo, enquanto em “Sign on The Window”, mais um dos destaques do álbum, temos uma interpretação emotiva e completamente apaixonada de Dylan.
Outra faixa marcante do disco é “The Man in Me”, petardo que vai além do próprio álbum, se destacando entre toda a produção de Dylan nos anos setenta, em faixa que parece ter sido feita para se tornar um clássico, com direito a refrão forte, que acabou eternizado nas cenas do filme “The Big Lebowski”, dos irmãos Coen.
Uma pena somente que o disco não encerre tão bem como começou, mas “New Morning” foi um importante passo para que Dylan retomasse a sua forma, por mais que Dylan ainda fosse passar por altos e baixos ao longo da década, lançando alguns álbuns ótimos e outros nem tanto.