No começo do filme “No Direction Home” de Martin Scorsese, Bob Dylan diz: “Eu pensava em sair pelo mundo e encontrar alguma jornada de retorno para algum lugar, eu tentava encontrar aquele lar que deixei há muito tempo e não conseguia lembrar exatamente onde era , mas eu estava no caminho. E Depois de tudo com que me deparei pelo caminho percebi tudo. E eu não tinha nenhuma ambição. Nasci muito distante de onde eu deveria estar, então estou voltando para casa , entende?”.
É Bem certo que Dylan encontrou esse caminho quando lançou em 1997 o álbum “Time Out of Mind”, voltando de um período de vacas-magras em termos de inspiração e ânimo que tanto marcaram seu trabalho nos anos 60 e 70. Estabelecendo uma nova abordagem para compor canções que refletem mais do que nunca a forma como ele enxerga e percebe o mundo e o ser humano.
Desde o album “Love And Theft” Dylan (usando o seu pseudônimo Jack Frost) vem produzindo seus discos, famoso por ser um artista cheio de idiossincrasias na hora de gravar, assumindo essa função conseguiu assim ter um controle ainda maior sobre a sonoridade e condução dos mesmos, não tendo que explicar para nenhuma outra pessoa o som que tinha na cabeça e essa foi uma ótima decisão, já que seus álbuns a partir disso alcançaram um outro patamar de sucesso e reconhecimento na sua carreira e rivalizando a altura de seus discos clássicos.
Seguindo a linha dos álbuns anteriores, Dylan reconta velhos temas de Blues e Folk e os transforma em novas músicas atemporais com observações e reflexões sobre o passado, o presente e, quem sabe, o futuro. Particularmente nesse álbum as músicas (e as letras) se apresentam um pouco mais irônicas e cheias de um humor sarcástico, como se Dylan estivesse nos testando com estórias que podem ser verdadeiras ou não, ou apenas contando casos de um homem velho e cansado.
Algumas músicas do álbum conseguem ser marcantes numa primeira audição e seguram bem a atenção: "Duquesne Whistle" (que rendeu um vídeo bem engraçado e cínico); a roqueira "Narrow Way" que em sua letra remete um pouco a “ Like a Rolling Stone”;
"Early Roman Kings" com o riff blueseiro e letra afiada, e na melancólica e amarga "Long and Wasted Years".
Na longa faixa titulo “Tempest” que muitos pensaram fazer relação com a peça de William Shakespeare (“A Tempestade”) mas que em 13m 54s Dylan relata lentamente o martírio final do navio Titanic com seus passageiros, misturando fato, ficção e profecias da Bíblia e acaba se tornando uma das faixas mais cansativas já escritas por Dylan.
Em "Roll on John", que fecha o álbum, temos a homenagem tardia de Bob Dylan ao colega John Lennon, onde à sua maneira, e citando passagens da vida e frases de letras de John (“Instant Karma”, “A Day in The Life”, “Come Together”, “Hold On” ) Dylan lamenta e também consola o espírito de Lennon assim como o seu próprio.
Em entrevistas falando sobre “Tempest” Dylan disse que a intenção original para esse álbum era dele ter um conteúdo “mais religioso” mas que acabou criando um “em que vale tudo e você simplesmente precisa acreditar que vai fazer sentido”, mas isso não desmerece a qualidade do trabalho, que hoje pode soar um tanto morno em relação à trilogia – “Love and Theft”, “Modern Times” , “Together Through Life” - , mas como um velho Whisky ou conhaque que com o tempo e insistência conseguimos apreciar melhor e descobrimos mais sobre ele a cada gole, a cada audição.