Por Queison Souza Alves
Assim como os Strokes, o quarteto Kings Of Leon também sofre com a maldição do disco perfeito. Aquele do longínquo 2003 (Youth and Young Manhood), onde eles foram considerados os roqueiros hippies mais legais do Mundo, com suas calças coladas e barbas gigantes, entoando um rock’n roll cru e enérgico.
Mas, tudo muda, e após o controverso - e premiado - Only By The Night, os Kings estavam em outro patamar. Agora, uma das bandas mais bem sucedidas do rock moderno, eles enchem arenas e não repetem, com muita frequência (ou nenhuma) a sonoridade que os catapultou ao estrelato no início dos anos 2000.
E, agora, em 2021, no auge de uma pandemia que parece não ter fim, eles lançam seu mais novo disco.
When You See Yourself, produzido novamente por Markus Dravs, é um registro pessoal sobre a vida e as pessoas que a cercam. Chega a ser até mesmo profético, já que todas as canções foram escritas antes da Covid, e representam, em algum ponto, muito do que estamos vivendo no momento, de acordo com os próprios integrantes.
Então, para celebrar a chegada do aguardado oitavo disco do Kings Of Leon, vamos de um faixa a faixa para analisar o que senti ao escutar o novo trabalho!
WHEN YOU SEE YOURSELF
Apesar do início melancólico nos primeiros segundos, a faixa-título sofre uma transformação abrupta com bateria dançante e um baixo inspirado de Jared Followill lembrando bastante as canções do segundo e terceiro disco. “One more night, one more night will you stay here?” é aclamado no refrão por um Caleb ainda tímido, como se estivesse reconhecendo o terreno, para retornar a dança insistente do verso, bem agitado proporcionado por uma bateria consistente de Nathan. É uma porta de entrada realmente satisfatória. Temos o primeiro contato com os sintetizadores, até então pouco presente na discografia da banda e que foi muito explorado aqui, de acordo com as entrevistas recentes dos integrantes. O final da música sofre outra reviravolta inesperada, transformando mais uma vez o clima. Você se surpreende muitas vezes e se pergunta “para onde vai isso?”. É um começo bem empolgante.
THE BANDIT
O primeiro single tem bastante da sonoridade conhecida pelos fãs do Kings. Tem mais fúria que a faixa de abertura e uma levada bem constante. Destaque para Matthew, que faz um excelente trabalho nas guitarras. Funcionará bastante nos festivais ao redor do Mundo com um refrão fácil de cantar. É uma boa música, sem muitas surpresas para os conhecedores da banda, mas um deleite aos recém-chegados.
100.000 PEOPLE
Mais um dos singles apresentados previamente, temos Caleb falando sobre Alzheimer em uma letra realmente emocionante. Talvez uma das melhores composições do vocalista. Quebradas na ponte para o refrão, transformam completamente o clima da canção, principalmente pela sintonia de Jared e Matthew, e a adição de um sintetizador. O refrão com uso exagerado de “You do” pode cansar ouvidos menos insistentes. É uma faixa que cresce bastante, principalmente na reta final. Apesar de ter uma progressão contínua e muito longa nos versos, a produção do instrumental é impecável. A voz de Caleb é um diferencial.
STORM WEATHER
Excelente linha de baixo com vocal isolado, remete muito ao disco “Aha Shake Heartbreak”. A levada dançante deixa um pouco do clima mais introspectivo da faixa anterior de lado. Tem uma quebrada marcante pro refrão e a guitarra de Matthew resgata bastante a sonoridade southern rock dos primeiros trabalhos. Funcionaria bastante como primeiro single! Ótima faixa, e ainda que o vocal de Caleb esteja mais tímido por aqui, vai encaixar perfeitamente em grandes arenas. Uma faixa ensolarada.
Obs: É o próximo clipe da banda.
A WAVE
Tem um início pautado em piano e a voz de Caleb em caráter praticamente fantasmagórico. É uma novidade interessante na musicalidade da banda.
Como em “100.000 People”, a música cresce com o passar do tempo, mas aqui com muito mais coesão e evolução, sem repetição de acordes em demasia. O refrão começa de uma forma que você não espera, mas sabe que precisaria no momento em que se inicia. Com certeza, uma das melhores faixas do disco. A bateria de Nathan tem grande exibição nessa música. Matthew continua sendo um destaque do disco até aqui, tendo participação muito grande nos grandes momentos das canções.
GOLDEN RESTLESS AGE
Ouvimos um sintetizador em conjunto com um instrumental crescente. Curioso identificar as mudanças de progressões ao longo do verso, que dançam com as duas guitarras em uma sintonia constante. Um refrão pop encaixa bastante, apesar de não ser algo previsível desde o começo. Com toda a certeza, a adição do sintetizador é um acerto potente nessa sexta faixa. Tem um solo de guitarra que lembra bastante a sonoridade de “My Party”, faixa do terceiro álbum - Because Of The Times, e isso é algo muito bom! Nota-se o grande trabalho do produtor Markus Dravs nessa música.
TIME IN DISGUISE
Temos aqui mais um começo com bastante sintetizador, órgãos e mais vozes fantasmagóricas de Caleb sussurrando “Come a Little Closer”, como se nos convidasse para identificar qual caminho seremos levados no decorrer dessa música. Somos apresentados a diferentes progressões entre a ponte, refrão e volta para o verso, com um excelente riff de guitarra de Matthew mais uma vez. Nessa faixa, Caleb assume um protagonismo maior nos vocais, o que não tinha acontecido desde então. Até o momento, o vocalista não parece ser o grande foco como em todos os álbuns anteriores. Entretanto, o instrumental tem um dos melhores trabalhos de produção de toda a discografia, sem dúvida. Mais uma excelente música. Ouvi duas vezes seguidas, tem muitos sons escondidos. Recomenda-se um ótimo fone para escutar essa e todo o álbum.
SUPERMARKET
Mais um início que remete bastante à sonoridade de “Aha Shake Heartbreak”. Temos um KOL com bastante influência sulista nesse disco. Algumas coisas aqui soam parecidas com “Milk”, do mesmo disco em questão. A alternância na bateria, com o excelente baixo de Jared e voz de Caleb dão o tom nessa balada que já havia sido apresentada no final do ano passado com o nome “I’m Going Nowhere”. Mais polida e aperfeiçoada, a música sofreu uma
leve transformação para se enquadrar no conceito desse álbum. Caleb cresce bastante aqui dessa vez. É uma faixa que está muito bem posicionada na tracklist, trazendo um respiro mais doce, depois de três canções muito fortes.
CLAIRE & EDDIE
Chegamos na parte final do disco com uma das melhores baladas já feitas pela banda, lotada de características marcantes do quarteto. Acordes com intensidade pop encontram na voz de Caleb um lugar bem agradável para progredir. Ainda que não exista muita alternância na progressão da canção, enquanto Caleb canta “fire is gonna rage, people gonna change”, como numa visão do apocalipse que vivemos (lembrando que todo o disco foi feito antes da pandemia de COVID-19), um instrumental muito bonito e reto acompanha todo o caminho. Destaque para a linha de baixo de Jared, os coros e sintetizadores emulando um piano elétrico que transformam o final em uma vibe bem cinematográfica.
ECHOING
A penúltima música resgata uma fúria vista mais no começo em “The Bandit”, porém, aqui, com acerto. As guitarras estão soando com bastante intensidade e a bateria repetitiva de Nathan causa um interessante desconforto até a quebrada para um refrão com vocal intenso de Caleb entoando “we could take it to the high seas, echoing where do we stand?”. Temos uma canção enérgica e direta ao ponto que deve satisfazer os momentos de vibração nas arenas. No momento final da música há uma virada inesperada que transforma bastante o caminho até aqui. Para os nostálgicos do primeiro álbum, um prato cheio.
FAIRYTALE
Um encerramento que, ainda não sendo um dos mais empolgantes, finaliza de forma coerente todo o conceito criado no álbum. Somos acompanhados a um vocal pop de Caleb com violão e bastante ecos de guitarra ao fundo. A bateria de Nathan é um bumbo pulsante durante toda a canção. É realmente como se estivéssemos assistindo os créditos de uma história onde o final não foi deixado às claras.
When You See Yourself é, definitivamente, um disco sensorial. É um trabalho feito pra se escutar do início ao fim, pois ele faz bastante sentido. Ainda que a experiência não seja prejudicada ouvindo peças soltas, em conjunto, o trabalho ganha mais propriedade.
Uma adição intensa a discografia do Kings Of Leon, pautada nas emoções dos próprios integrantes, em uma viagem que oferece uma montanha-russa de emoções durante boa parte do caminho.
Não será o disco que irá mudar o pensamento dos nostálgicos, afinal, requer coragem seguir um caminho diferente. E não são todos que estão preparados para largar o que parece tão convencional.
E aqui, os irmãos Followill parecem cheios de coragem para entregar um álbum extremamente pessoal e, ainda assim, competente. Olhando pra trás e, cada vez mais, acertando na frente.