Por Pedro Martins
A bateria predominante na faixa introdutória, “Zera a Reza”, mostra que Caetano Veloso não perdeu o medo de arriscar. Ao contrário, abriu mão do que já seria uma ótima canção para se lançar em novos caminhos. Exaltando a cultura negra, Noites do Norte propõe uma viagem pelo Brasil colonial sob uma perspectiva moderna que aproxima literatura e rock’n’roll, Joaquim Nabuco e Raul Seixas.
A sofisticação de canções como “Zera a Reza” e “Meu Rio”, combinada à espontaneidade de “13 de Maio” e “Cobra Coral” (em parceria com Waly Salomão), resulta em um disco cujas composições são orientadas por critérios poéticos e musicais bastante diversos. Essa multiplicidade pode desagradar o ouvinte mais ansioso, mas quando Veloso deixou de incomodar? Quem dançou em “Zumbi” e suspirou com “Michelangelo Antonioni” talvez repudie a irreverência destreinada de “Rock’n’Raul”, em que o compositor começa a reconhecer o modus operandi do rock moderno.
Os arranjos em Noites do Norte cumprem bem o papel de combinar elementos musicais tradicionais e modernos. Em “Zumbi” e “Rock’n’Raul”, a bateria aparecem em formato pop, direta e assertiva, procedimento pouco utilizado por Veloso até então; em “13 de Maio”, as percussões vêm elegantemente acompanhadas da guitarra de Pedro Sá; “Meu Rio” é um retorno ao universo do choro, à maneira de “Sampa” (1978). Abrindo outra vertente, o formato camerístico na faixa título enriquece ainda mais a primorosa performance do cantor. Além disso, a sonoridade da canção “Ia” já é um prenúncioo do projeto estético do álbum Cê (2006), acrescentando o violão ao formato mínimo guitarra-baixo-bateria.
O procedimento de criação adotado por Caetano Veloso não mudou muito ao longo dos anos: desde o final da década de sessenta, o compositor não faz mais que realizar uma leitura do moderno pela lente da tradição, como pode ser constatado em Noites do Norte. Dessa forma, contemporizando seu trabalho a cada disco, Veloso repete seu método bem-sucedido, que consiste, justamente, em não repetir.