Resenha do Cd Transa / Caetano Veloso

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TRANSA
CAETANO VELOSO
1972

UNIVERSAL MUSIC
Por Rafael Correa

Caetano Veloso sempre atraiu para si a adjetivação "polêmica", principalmente nos últimos anos. Artista dotado de uma sensibilidade inconfundível, capaz de brincar com as palavras tal qual uma criança brinca com carrinhos de bater, Caetano sempre proveu canções fruídas de uma deleitosa complexidade e exuberante composição poética, que exibe sua mensagem nas entre-linhas. A obra que ora evidenciamos é uma prova insofismável destas perspectivas.

"Transa" é um dos frutos, por assim dizer, do período de exílio de Veloso em Londres, durante os anos mais turbulentos do período de ausência democrática em nosso país. O Ato Institucional nº 5 não apenas extraiu qualquer possibilidade de manifestação de liberdade de uma geração, como ejetou inúmeros artistas do solo pátrio, que apenas muito tempo depois puderam retornar.

O disco foi registrado em sua integralidade na capital inglesa, e o tom de lamento acarretado pelo exílio serve como norte àqueles que viajam ao som do álbum. Já na primeira faixa, "You Dont Know Me", recebemos o alerta da densidade que nos espera. A construção acústica é conduzida por linhas melódicas de solos que aproximam-se um tanto do jazz. A letra, tipicamente "caetana", trata da solidão do artista, em um misto de versos em inglês e português. Mesma receita poética é utilizada em "Nine Out of Ten", cuja musicalidade agrega um procedimento de percussão bastante peculiar.

Em momento seguinte, "Triste Bahia" busca o título de maior lamento referente ao afastamento de sua terra. Berimbaus e chocalhos descortinam o espaço necessário para a letra marcante iniciar seus reclames, sempre acompanhada pela manifestação acústica do violão e do octave bass que aventura-se a marcar o compasso da canção.

"Its a Long Way" traz uma introdução levíssima que nos embala a refletir sobre os efeitos que o exílio forçado pode causar em qualquer ser. "Mora na Filosofia" completa a mensagem iniciada naquela canção, que, desta vez verbalizada em português, parece tentar externar o recado dado pelo regime ditatorial à todos àqueles que se opunham: "vou lhe dar a decisão / botei na balança e você não pesou / botei na peneira e você não passou / mora na filosofia / para que rimar amor e dor? / se seu corpo ficasse marcado / por lábios ou mãos "carinhosas"..."

Em momento de encerrar a atividade, "Neolithic Man" brinca faceira com o silêncio e som, alterando seu rítimo para demonstar o estado neolítico do homem naquela oportunidade."Nostalgia" completa a intenção do autor, quando junta a batida clássica do blues aos lamentos já conhecidos no disco. Gaitas e linhas mansas de baixo acolchetam a atmosfera criada pelo álbum ao universo particularmente genial de Caetano.

"Transa" é um daqueles casos em que o disco divide-se em partes, com um grupo de canções atuando para fazer reverberar uma mesma mensagem. Nele, as faixas agrupam-se em duas em duas para avulatar-se em lamentos, nostalgia, indignação e uma incrível beleza poética e musical.

Muitos asseveram que Caetano, hoje, perdeu boa parte da sensibilidade percebida em outrora. No entanto, não podemos esquecer que "Transa", assim como tantos outros trabalhos de tantos outros artistas que trafegaram no mesmo espaço temporal, foi fruto de um momento pulsante de nossa história, onde o anseio para movimentar ainda mais a cultura era a única ferramenta capaz de combater um regime opressor. Não fosse isso, quiçá tal obra não teria o mesmo brilho que possui originalmente. Mas, ainda assim, é um trabalho que merece ser desgustado com lenta e saborosa atenção.

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publicado originalmente no blog Rock Pensante.

Resenha Publicada em 27/09/2010





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