Por Pedro Martins
Produzido sob a hostilidade do regime ditatorial, o álbum homônimo de 1969 constitui o primeiro salto qualitativo na carreira de Caetano Veloso. O disco foi gravado meses antes da partida para o exílio, época em que Veloso e Gilberto Gil viviam reclusos na Bahia por determinação dos militares.
Em “Irene” e “Não Identificado”, pontos altos do disco, o compositor consegue, enfim, realizar a síntese que tanto buscou, com menos sucesso, no também homônimo disco de 1968. Além disso, as duas canções inglesas, “The Empty Boat” e “Lost in the Paradise” prenunciam o ótimo trabalho que Veloso realizaria no exílio londrino. Dentre as interpretações de outros compositores, destaca-se “Cambalache”, de Enrique Santos Discepolo, com ótimo arranjo de Rogério Duprat.
As bases das canções (voz e violão) foram gravadas na Bahia e, apenas posteriormente, esse material chegou às mãos de Manuel Barembein nos estúdios da Polygram. Temos, portanto, um caso atípico, em que o compositor não participa da criação dos arranjos. Contudo, a sonoridade é superior à do disco anterior: violões, guitarras, cordas e metais conjugam-se harmonicamente e alçam as canções a um nível bastante satisfatório (talvez, a possibilidade de trabalhar os arranjos separadamente tenha sido crucial para a obtenção desse resultado). Apenas “Atrás do Trio Elétrico” destoa no contexto do disco, remetendo muito mais ao trabalho do ano anterior, no qual a combinação de texturas acústicas e elétricas ainda é conflituosa.
Caetano Veloso parte para Londres deixando um ótimo disco no Brasil. Falta-lhe, porém, certa coerência interna, o que pode ser constatado pela referida presença de “Atrás do Trio Elétrico”, canção estranha ao conceito do álbum, e pela interpretação apagada e pouco inspirada de “Carolina”, de Chico Buarque. Ainda assim, temos, aqui, um compositor mais maduro, que já nos apresenta algumas de suas obras primas.