Por Anderson Nascimento
A primeira metade da década de noventa foi de fato inesquecível para os beatlemaníacos. Entre os fatos que tornaram essa época tão especial, temos os ex-Beatles em plena atividade, George Harrison, quem diria, tocando ao vivo com Eric Clapton, e atuando em banda novamente, os “Traveling Wilburys”. Ringo Starr lançando um elogiado álbum de estúdio e colocando os pés na estrada com a sua “All Starr Band”, que até hoje está em atividade. Paul McCartney, também em plena atividade, fez uma turnê mundial, apresentou sua obra em programas de Tv e lançou o álbum de inéditas “Off The Ground”.
No caso dos Beatles como banda, houve o lançamento álbum “Live At BBC”, com as apresentações do quarteto na rádio britânica. Além disso tudo, quem em sã consciência poderia imaginar que seriam lançadas duas músicas inéditas dos Beatles, “Free as a Bird” e “Real Love”, em 1995 e 1996, vinte e cinco anos após o fim da banda? O projeto Anthology, que incluía três álbuns duplos de raridades dos Beatles, de onde saíram as canções citadas, e uma série para tv com oito episódios, envolveu e reuniu diretamente os três Beatles então vivos a partir de 1994, trazendo de volta toda aquela atmosfera Beatle para cada um dos envolvidos.
Costumeiramente mais envolvido com a causa, Paul McCartney deixou com que a nostalgia dos anos Beatle tomasse a frente em seu futuro álbum solo, lançado em 1997, chamado “Flaming Pie”.
A começar pelo título – o nome “Flaming Pie” vem de uma história contada por John Lennon em uma entrevista sobre a origem do nome Beatles – tudo no álbum respira nostalgia. No entanto, se por um lado, a nostalgia era um ponto positivo, por outro lado, Paul enfrentava os revezes da vida, pois sua esposa Linda McCartney vinha lutando contra o câncer de mama, que a vitimaria em 1998, o que afetaria sentimentalmente a produção do álbum.
Coube a Paul encarar esse furacão, e o resultado é um dos mais espetaculares álbuns da carreira solo do ex-Beatle. Nesse disco, Paul recupera um pouco de cada fase de sua carreira, indo dos Beatles, passando por Wings e chegando até o som contemporâneo que o acompanhava na época.
A primeira faixa do álbum diz muito disso, ao entregar nos versos “But we always came back to the song we were singing, at any particular time”, em uma interpretação histórica, destacando-a como uma das maiores aberturas de álbum da carreira solo de Paul.
Canções como “In The World Tonight”, tem pegada roqueira e empolgante, que apesar de moderna, lembra o espírito dos Beatles nos meados dos anos sessenta.
Falando em Beatles, Paul inspira-se no singelismo de algumas faixas do “Álbum Branco” em canções como “Calico Skies”, “Somedays” e “Little Willow”, ou ainda bebe da fonte dos Rocks básicos do mesmo disco, para mandar as matadoras “Really Love You”, com ninguém menos que Ringo Starr na batera, resgatando inclusive os momentos experimentais de Paul no início dos anos oitenta, “Use To Be Bad”, essa outro Rock básico, desta vez com a participação de Stevie Miller, ou ainda a própria faixa título “Flaming Pie”, que até hoje é tocada nas turnês do músico, e que na época de seu lançamento, tocou bem aqui nas rádios brasileiras.
A diversidade do álbum revê caminhos que remetem ao início de sua banda pós-Beatles “Wings”, que é o caso da faixa “Great Day”, recentemente incluída na trilha sonora do filme “Funny People”, e momentos de inspiração que lembram as grandes obras já construídas por Paul como “No More Lonely Nights” ou “Come On People”, que é a canção “Beautiful Night”, cheia de clichês inventados pelos próprios Beatles como final falso, côro desproporcional à levada da música, pianos com um crescendo ao longo da canção, e isso tudo sem falar na especialíssima participação de Ringo Starr na bateria e nos vocais, e orquestração de George Martin.
Algo do “Flowers in The Dirt”, disco de 1988, também pode ser encontrado no álbum, neste caso, na música “Heaven on The Sunday”, uma faixa doce e sutil, perdida no meio do disco, que inclusive traz a participação de seu filho James Paul McCartney tocando guitarra.
Outra pérola escondida no disco é “Souvenir” uma canção retrô de letra forte, e com grande influência de momentos mais minimalistas produzidos por Paul nos anos setenta, principalmente por conta dos côros espertos que seguem-se ao longo da música.
Um dos grandes méritos do álbum, o mais bem sucedido desde “Tug of War” de 1982, é conseguir juntar todas essas referências históricas da carreira de Paul McCartney, e ainda assim, construir um álbum com uma unidade sonora incrível.
Fora isso tudo existem ainda outros pontos a se tratar em “Flaming Pie”, a voz de Paul, por exemplo, parece pela primeira vez expor os sinais dos anos de carreira, pois temos uma mudança radical na forma de Paul cantar as músicas. Em termos de aparência, também temos outra grande mudança no visual de Paul, se compararmos as imagens e fotos da turnê de 1993, com as imagens da época do lançamento do disco. No documentário “In The World Tonight”, por exemplo, vemos um Paul descabelado, fora de forma, e muito envelhecido, sinais claros da situação emocional pela qual ele estava passando.
Produzido pelo próprio Paul e por Jeff Lynne (Electric Light Orchestra, Traveling Wilburys), “Flaming Pie”, é tido por muitos como um dos maiores álbuns lançados por Paul em sua carreira solo, tendo recebido as melhores cotações possíveis entre a crítica especializada, que recebeu o disco incrivelmente bem. Exageros ou não, a verdade é que Paul McCartney estava inspiradíssimo entre os anos de 1995 e 1997, período em que o eterno Beatle produziu essa obra prima, e que, certamente garantiu o disco entre os mais queridos para os admiradores de sua obra.