Por Valdir Junior
Gravado no início de 1971, período em que Gilberto Gil estava morando em Londres em exílio, o álbum que hoje comumente chamado de “o disco inglês do Gil” ou apenas “Gilberto Gil – 1971”, reflete toda a experiência que Gil teve em estar “in loco” no epicentro mundial da cultura pop.
Logo que chegou a Londres Gil começou a freqüentar os bares e clubes em que havia “jam sessions”, e tendo chance logo subia ao palco munido de seu violão ou de uma percussão para varar as noites tocando com os mais variados músicos, com isso acabou trocando experiências com a nata mundial da música. Ele conheceu e tocou com Wayne Shorter e David Guilmor do Pink Floyd, e também criou laços de amizade com Jim Capaldi (baterista do Traffic), isso tudo acabou sendo uma pós-graduação em música pop mundial para Gil.
Vindo de dois discos também autointitulados em que a estética do tropicalismo era apresentada, difundida e estabelecida, esse disco de 1971 é a confirmação da postura pop/rock que Gil já vinha fazendo com os discos anteriores e também fazendo desse um disco de transição para uma estética pessoal e brasileira de fazer música.
Produzido por Ralph Mace e gravado no Chappell’s Studios em Londres, o disco foi lançado na Inglaterra pelo selo Famous Music, já que a Phillps inglesa (hoje Universal Music) gravadora de Gil na época não se interessou em lançar o disco por lá, traz Gil tocando de forma ímpar seus violões de aço e nylon em todas as faixas, assim como também um pouco de percussão, os músicos Chris Bonett (baixo) e Mick Ronson (guitarra, em apenas duas faixas) completam o time usado para a gravação do álbum.
Das oito faixas do disco, três delas foram compostas junto com Jorge Mautner que na época também vivia em Londres e era companhia constante de Gil e Caetano pela Swinging London, quatro delas eram de Gil (sendo uma a regravação de "Volks Volkswagen Blues" do álbum de 1969 de Gil, com letra adaptada ao inglês por ele), e uma regravação de Gil para a música “Can’t Find My Way Home” do Blind Faith de Steve Winwood e Eric Clapton, música essa que Gil adorava tocar em seus shows de voz e vilão na primeira metade da década de 1970 aqui no Brasil.
Iniciando com a ótima "Nêga (Photograph Blues)", um pop/blues/samba com uma pegada bem Jimi Hendrix no violão de Gil, passando pelo baião psicodélico de "The Three Mushrooms", a balada confessional “Mamma” (que renderia a Gil no futuro outras no mesmo estilo como “Drão”, “Esotérico”, “A linha e o linho” e “Flora”), o Rock de "Crazy Pop Rock" e "Babylon", e o samba rock de "One O'Clock Last Morning, 20th April 1970" o álbum desfila faixa-a-faixa do que seria a essência dos próximos discos de Gil, misturando elementos dos mais variados estilos de música do mundo usando como base a música brasileira.
Após a gravação do disco e ainda em Londres, Gil montou uma banda com os músicos Bruce Henry (baixo) e Tutty Moreno (bateria) e assumindo sua posição de bandleader partiu em turnê pela Europa com uma pequena passagem pelos Estados Unidos divulgando o álbum. Logo em seguida começou as gravações para um novo disco em inglês, mas este foi logo abandonado quando Gil teve a oportunidade de voltar ao Brasil em 1972 e as gravações acabaram se perdendo quando a gravadora fechou logo depois.
No Brasil Gil deu continuidade ao seu trabalho explorando cada vez mais a linguagem pop aprendida no exílio, seu próximo álbum “Expresso 2222” seria um passo a frente de tudo que ele estava fazendo, fundindo ainda mais a música regional brasileira como o forró, baião, samba, com o pop internacional, com isso foi criando e preparando o terreno para que músicos e bandas como, por exemplo, Chico Science & Nação Zumbi, Paralamas, Skank, Raimundos,Vanguart, no futuro pudessem continuar a explorar esses caminhos com novas percepções e matizes.
Mais de quarenta anos depois, “Gilberto Gil – 1971” continua soando novo e atual, não envelhecendo nem um pouco com o tempo, também continua sendo fonte de inspiração e referência para todos aqueles que estão dispostos a fazer a música brasileira e, por que não, mundial, evoluir com qualidade e inteligência.