Por Rafael Correa
“The Final Frontier”, décimo quinto álbum do Iron Maiden, pode ser considerado como um dos lançamentos mais esperados pelo fiel público da banda e pelos demais amantes do heavy metal. Por igual, muito se falou (e criticou) sobre o disco antes mesmo do início de sua vendagem, prevista para 16 de agosto deste ano, e com apenas uma canção oficial disponibilizada para download. Os saudosistas, presos à obra dos anos 80, não aceitam a continuidade da linha de trabalho proposto pelo grupo após o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith, vista nos discos “Brave New World”, “Dance of Death” e “A Matter of Life and Death”, e ainda insistiam em enxergar uma luz no fim do túnel, que significaria um regresso às origens da Donzela. Por outro lado, há outra corrente de público (corrente esta à qual esse matuto resenhista há muito se filiou) que, apesar das críticas à nova roupagem do Maiden, não viam como possível o lançamento de um novo “Piece of Mind” ou “Powerslave”, mas sim, o prosseguimento lógico deste trabalho iniciado em 2000, com “Brave New World”.
Pois bem. Estamos prestes a alcançar a data do lançamento oficial de “The Final Frontier” e, com o previsível vazamento do álbum, todos perceberam que este registro do Iron Maiden é, de fato, uma sequência à linha de composição apresentada nessa última fase da banda, acrescida com alguns “passos” a mais, que os leitores da Galeria Musical poderão acompanhar a partir de agora.
Desde a capa até os segundos finais de “When the Wild Wind Blows”, “The Final Frontier” apresenta uma série de novidades e surpresas que, infelizmente, não logram êxito em todos os momentos. Diversos fãs de carteirinha, por exemplo, desdenharam do novo conceito dado por Melvyn Grant ao eterno Eddie, apontando uma suposta falta de qualidade do desenho que compõe a capa do disco e “chorando as pitangas” ausência do clássico e horripilante “anti-herói” que tomava de assalto as memoráveis capas dos anos 80. Mas, após ouvir o álbum inteiro, conseguimos compreender que este novo Eddie cai como uma luva na sonoridade do disco. Querendo ou não, esta era a capa que “The Final Frontier” precisava.
Passando por esse primeiro obstáculo, o ouvinte chega ao que mais importa e passa a apreciar as novas canções, que ansiosamente eram aguardadas. De fato, como os fãs mais xiitas já sabem, após o retorno de Dickinson e Smith, o Iron Maiden adquiriu o hábito de repetir certas manias em seus lançamentos, principalmente quando se trata das faixas de abertura: geralmente, elas são relativamente curtas, introduzidas por um riff que sustenta a canção durante o seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, eram as canções encarregadas de abrir os shows da banda em suas turnês. Assim foi com “The Wicker Man” na tour de “Brave New World”; “Wildest Dream” na turnê de divulgação de “Dance of Death”; e com “Different World”, nos shows correspondentes ao último disco, “A Matter of Life and Death”.
Sendo assim, poderíamos esperar o mesmo da primeira canção do presente disco, mas “Satellite 15... The Final Frontier” é, de longe, a coisa mais diferente que o Iron Maiden já fez em sua carreira. A canção inicia-se com uma linha grave de baixo provavelmente guiada por comando eletrônico, até ser atingida em cheio pelas batidas tribais de Nicko McBrain. As guitarras, por sua vez, se embaralham em um emaranhado harmônico para criar um cenário caótico, sempre marcado pelas baquetas de Nicko, que gradativamente aumentam de densidade e volume. Aos poucos, a canção se abre para que Dickinson entoe versos de lamentação, mantendo ainda o clima confuso e sofrível percebido no início da canção. Diversos elementos progressivos são perceptíveis, como o ilógico encadeamento das seis cordas pesadas e limpas, até as batidas de McBrain, que fazem a angústia aumentar cada vez mais. O ouvinte é imerso nesse mar de caos durante 04:25 minutos, para ser trazido à superfície do modo mais pesado possível: “Satellite 15...”, primeira parte da canção fecha-se em silêncio para a explosão do já conhecido riff de “The Final Frontier”, marcado por uma levada hard/heavy que força-nos a bater a cabeça. Não há como conter um sorriso no rosto: ficamos felizes seja pelo fim da longuíssima introdução, ou então, pela criatividade da banda em juntar dois universos distintos na mesma faixa.
“El Dorado”, velha conhecida dos fãs desde a liberação para download no mês passado, apresenta-se em uma qualidade sonora maior do que na versão anterior. Pesada e variável, é seguramente uma excelente faixa para apresentações, como temos visto em diversos vídeos que circulam pela net. “Mother of Mercy”, canção seguinte, apresenta uma atmosfera interessante, igualmente progressiva, porém apoiada em linhas de guitarra que “grudam” em nossa mente. O refrão é fácil de ser cantado, e o trabalho de Steve Harris é inovador: por alguns momentos, os galopes de quatro cordas são alterados por um acompanhamento lírico e próximo ao formato acústico, presente na primeira parte desta faixa. A letra expressa um ambiente pesado, similar à atmosfera criada em “A Matter of Life and Death”, mas com as limitações que faltaram naquele disco.
Falando em formato acústico, “Coming Home”, quarta faixa de “The Final Frontier”, aposta em uma receita mais calma (após uma introdução que, curiosamente, lembra algumas passagens do disco “Virtual XI”) para apresentar um cenário criativo e interessante. Os versos da canção se entrelaçam até chegar ao refrão, ainda mais estimulante que o percebido em “Mother of Mercy”. A instrumentalidade da canção, apesar do viés progressivo (presente em todas as faixas), é mais objetiva, cujo destaque encontra-se sobre as mãos de Dave Murray em seu excelente solo.
A partir daí, o elemento progressivo, contido pelo peso das duas canções iniciais e da criatividade das duas faixas seguintes, é liberto e elevado à décima potência. “The Alchemist” abre seus trabalhos com a apresentação das três guitarras em uma linha uníssona, que também nos remete a “Virtual XI” e, vejam só, “Chemmical Wedding”, excelente trabalho solo de Dickinson. O problema reside no desenvolvimento da canção que, ao ser um tanto longa, não apresenta variáveis suficientes para manter o ouvinte preso em sua teia. “Isle of Avalon”, apesar da introdução relevante, chega a ser cansativa pela sua repetição.
“Starblind” e “Talisman” mostram a capacidade da banda em moldar a complexidade do som ao seu favor. Nessas canções, o Maiden aproxima-se do Dream Theater, ainda que sem a virtuose necessária para tanto. Apesar de apostar na receita “intro longa, galope pesado, refrão, solo e intro novamente”, as duas canções são valiosas pelo excelente trabalho desenvolvido por Adrian Smith, provavelmente o mais criativo e versátil dos los três amigos: todos os seus solos, apesar da complexidade dos riffs que o embalam, fluem normalmente, como se Adrian provasse ser capaz de cultivar uma excelente sonoridade que resite até mesmo nos terrenos mais opacos.
As canções que fecham “The Final Frontier”, “The Man Who Would be King” e “When the Wild Wind Blows”, apostam no mesmo formato épico para elevar a progressividade presente no disco. Ambas as faixas são longas e calcadas em uma introdução bem trabalhada, que prepara o ouvinte para o peso desenvolvimento, apresentando letras consistentes e inteligentes. Em especial, “When the Wild Wind Blows” (canção elogiada por Dave Murray em diversas oportunidades) envolve o ouvinte com uma musicalidade relevante e um desabafo com o mundo que o hoje se encontra ao nosso entorno. Se fosse mais breve (a faixa conta com quase doze minutos de duração), seria forte candidata a uma das melhores canções do disco.
Enfim, à exemplo do que “A Matter of Life and Death” apresentou, “The Final Frontier” é um disco que deve ser digerido aos poucos, mas não pelos mesmos motivos que seu antecessor (pautado em um clima obscuro e um pessimismo excessivo). “The Final Frontier”, ao mesmo tempo que remete os ouvintes para trabalhos anteriores, é recheado por novos elementos inspirados em linhas progressivas observadas em bandas como Dream Theater e Rush. Não fosse o exagero de alguns momentos, como as faixas alongadas sem necessidade, seria o melhor registro do Iron Maiden em anos, comparável (guardadas as devidas proporções) ao clássico “Seventh Son of a Seventh Son”. Sem reclamações ou lamentações, afinal, todos sabíamos que o Maiden não daria passos para trás e dar um novo “The Number of the Beast”. Com os olhos sempre à frente, a banda busca novos fatores para não ficar presa à sua própria obra. Se é certo ou errado, só o tempo dirá. Ouçam, e tiram suas próprias conclusões.