Transversões é o título da série idealizada por Jay Vaquer para abordar a obra de outros compositores. Mais do que fazer homenagens, o objetivo do cantor é registrar seu exercício de interpretação e recriação das canções. Em Antes da chuva chegar – Transversões Volume 1, Vaquer se apropria de dez canções de Guilherme Arantes, escolhido para inaugurar a série.
Em uma discografia predominantemente autoral, Vaquer já pôs sua voz a serviço de outros compositores como Herbert Vianna (“Quase um segundo”), Djavan (“Boa noite”), Moska (“Ilha eu”) e Cazuza (“Preciso dizer que te amo”), aproximando-os do seu universo. Por conta disso, o novo trabalho pode deixar o ouvinte pouco à vontade durante as primeiras audições, já que o autor dos versos contundentes de “Mondo muderno”, “Formidável mundo cão” e “Ah, mas bem que você gosta”, agora transita por canções solares e de romantismo explícito, com melodias mais tranquilas.
Produzido por Vaquer, Beto Paciello e Edson Guidetti, Antes da chuva chegar – Transversões Volume 1 mantém o alto padrão estético que, a rigor, pontua toda a obra de Jay Vaquer. É um álbum que o distancia das guitarras e o aproxima de uma sonoridade mais clássica com o piano de Beto Paciello presente em todas as faixas.
Ao lado de Beto (piano, teclados, cordas, acordeon, mellotron, glockenspiel, kalimba e synths), completam o time de músicos Edson Guidetti (guitarras, violões, baixo, sitar e lap steel), Marcelo Mariano (baixo), Otávio de Moraes (bateria, programações e loops), além do próprio Vaquer executando os samplers e efeitos.
De modo geral, o romantismo que marca a produção de Guilherme Arantes encontra bom lugar nas interpretações de Jay Vaquer. Destaques como “Êxtase” (1979) e “Muito diferente” (1989) têm sua delicadeza e suavidade preservadas em dois bonitos registros. A mesma delicadeza envolve “Brincar de viver” (1983), mas sem passar do protocolar. “Um dia, um adeus” (1987) e “Meu mundo e nada mais” receberam arranjos e interpretações elegantes e quase reverentes, mas também sem grande teor de novidade.
Ganharam arranjos mais vigorosos e mais próximos do universo de Jay Vaquer: “Loucas horas” (1986), “Mania de possuir” (1986) e “Marina no ar” (1987), mas sem desconstruir o clima romântico das gravações originais. O discurso solar de “O melhor vai começar” (1982), quase impensável no repertório de Jay Vaquer, se beneficia aqui do arranjo de contorno pop.
O maior acerto do disco é a faixa-título, “Antes da chuva chegar” (1976). Jay trouxe à tona a inspirada canção quase desconhecida do público e que também não foi lembrada no tributo “A voz da mulher na obra de Guilherme Arantes” (Joia Moderna, 2012). É nessa faixa que Vaquer se sai melhor no seu exercício de apropriação, deixando a sensação de que poderia facilmente extrapolar a série e torná-las parte dos seus discos autorais sem nenhum deslocamento.
Todas as dez faixas foram compostas por Guilherme Arantes. “Brincar de viver” é uma parceria com Jon Lucien, e “Marina no ar” com Nelson Motta.
Publicado originalmente no site Literamorfose