Por Ricardo Schott
O Pearl Jam está prestes a sair de seu processo de mumificação. Não que a banda tenha sido uma chatice nos últimos anos - mas esteve perto disso. O público fiel acompanhou tudo ao lado da banda: o Pearl Jam tomou atitudes inovadoras, como a de lançar vários discos ao vivo simultâneos de sua turnê de 2000 e bancar uma rede de "piratas oficiais", administrada pela rede de fâs Ten Club, além de deixar a grandalhona Epic (subsidiária da major Sony & BMG)* para ingressar na gravadora J Records, bem menor. Em termos de música, havia muita gente achando, após alguns discos inferiores ou malucos demais, que eles estavam devendo. A ponto do PJ, ancorado em sucessos antigos e numa postura "roquenrol!" - que une o mistério do Pink Floyd, o hippismo de Neil Young e a "consciência" do U2 em doses iguais - já estar virando o mais novo fóssil do rock. Ou o caçula dos classics , time encabeçado por Bob Dylan e pelos Rolling Stones.
Os fâs da banda, que viram o Pearl Jam brigar com grandes corporações (como o gigante dos ingressos, Ticketmaster), sumir da imprensa e mergulhar em disputas internas, sempre estiveram lá. Só faltava mesmo um álbum que pudesse voltar a convencer o público ocasional do grupo - aquele que adorou Ten , a estréia do Pearl Jam (1991), e voltou a dar atenção a Vedder & cia após singles como "Soldier of love" e "Last kiss", no fim dos anos 90. E o disco que pode levar o PJ a voltar a fazer cabeças está nas lojas hoje. Pearl Jam já começa impositivo em seu título, que leva apenas o nome da banda. Ouvindo-se o álbum, dá para imaginar que o Pearl Jam já sentia a ferrugem comendo seus calcanhares. O disco pode chamar de volta vários fâs antigos da banda, e pode dar uma renovada em seu público. No álbum, o quinteto ressurge com outra cara, fazendo um hard rock que não se prende a chavões nem requenta a fórmula hardfunkeada que marcou seu início.
Desancando a era Bush em letras enérgicas, Eddie Vedder (vocais), Mike McCready, Stone Gossard (guitarras), Jeff Ament (baixo) e Matt Cammeron (bateria) surpreendem pelo número de informações musicais que unem num só disco - bem mais que em momentos iluminados do passado, como o difícil Vitalogy , de 1995. O single "World wide suicide", complexo inventário do mundo pós-11 de setembro de 2001, soa ensolarado como o Pearl Jam nunca foi: exibe um insólito lado oitentista da banda, com batida dançante, uma melodia de teor 100% pop se comparada à história pregressa do quinteto e um tom mais para Husker Du (pais do punk melódico, influência cabal em grupos como Green Day) do que para Led Zeppelin. O mesmo pode ser dito de "Unemployable", capaz de espantar quem sequer imaginasse que o Pearl Jam pudesse ter um lado powerpop - a primeira comparação que vem à cabeça é com o Sugar, a reencarnação do já citado Husker Du. Bem, a faceta alegre resume-se à melodia. Na letra, Eddie Vedder continua olhando para o lado mais fraco da corda - desemprego, falta de grana, poucas chances de sobrevivência, numa acidez que lembra um Bruce Springsteen mais pessimista.
O peso que marcou discos anteriores não foi deixado de lado - seja num hard rock com cara de The Cult ("Life wasted", que abre o álbum), seja num punkão com letra visceral ("Comatose", lembrando "Spin the black circle", do Vitalogy ), seja no folk rock de "Gone". Mais inovações surgem em "Parachutes", pérola pop que mostra o quanto a cover de "Last kiss" (sucesso sessentista regravado pela banda e hit total no Brasil entre 1998/1999) modificou o grupo. A ecológica "Big wave" tem um tom punk-new wave que lembra algumas doideiras do Nirvana. Já "Marker in the sand", rock´n roll de abertura tribal e refrão na cola de Bob Dylan e dos Stones, conquista pela beleza. A confiança do Pearl Jam no disco novo é tanta que o grupo se arriscou a tostar o saco do ouvinte, fazendo um blues ("Comeback") e uma canção sombria e arrastada ("Inside job") - que, no entanto, soam belas e bem colocadas.
Pearl Jam renova o som do quinteto bem na hora em que o rock volta a fazer sentido como música comercial. O cenário inclui roqueiros namorando modelos, festivais de grande porte bancados por empresas de telefonia, e o retorno do público jovem para um gênero que, de tempos em tempos, é dado como morto - mas que agora, adquire respeitabilidade de clássico. Na rara posição de banda sobrevivente da onda de Seatlle, não seriam eles que iriam brincar de dar murro em ponta de faca.