Por Anderson Nascimento
Um belo dia, entediado pelo sensabor do ano de 2004, fui comprar alguns vinis em uma loja especializada em música na Gávea. Eis que deparei-me com uma série de discos dos Rolling Stones da primeira fase. Enquanto eu apreciava os maravilhosos vinis, ouvi o dono da loja falar com um funcionário "Põe aí o novo do Morrisey". Eu cá comigo pensei: "Putz!".
Nunca tive nada contra o "Smiths", pelo contrário, apesar de só possuir em minha coleção o disco "The Queen is Dead", acho as músicas legais, bem anos 80, bem verão. Mas nunca imaginei que eu compraria um disco do Morrisey, mesmo sendo dele a voz dos Smiths, e dono também daquele eterno single "Suedehead" que tem a cara de sua antiga banda.
Ao ouvir a batida eletrônica da primeira faixa não liguei muito, principalmente pois ele começou a canção a princípio quase ufanista "America Is Not The Wolrd", até que as palavras viraram poesias em uma ferrenha e emocionante crítica sobre os EUA. Depois, Morrisey vira sua metralhadora para o outro lado do Atlântico e dispara contra o racismo em uma canção com batida pesada e consagradora, "Irish blood, English heart", possui um peso que eu jamais imaginei encontrar em um disco do Morrisey. Quando a incisiva melodia de "I have forgiven Jesus", começa a rasgar o ambiente da loja fiquei hipnotizado, não consegui mais escolher os discos em que eu estava olhando, peguei uma meia dúzia de vinis, e a partir daí passei a somente "fazer hora" na abençoada e aconchegante loja (tá bom, a essa altura vocês já querem saber o nome né? Tracks, fica na Gávea. Olha não estou ganhando jabá!), a música lembra a habitual lamentação do Morrisey nos tempos de Smiths, o conjunto letra e melodia forma uma profunda e angustiada contestação entre o amor, desejo, religião e sua sexualidade.
O disco segue com as bonitas canções como "Come back to camden", "I’m not sorry", até chegar em outro impressionante número "The wolrd is full of crashing bores", bem Morrisey, não? "How Can Anybody Possibility Know How I Fell", é outra música que traz uma melodia bem pesada e letra bem pessoal como de costume. As faixas que mais lembram os tempos de Smiths são "First Gang to Die" e "I Like You" que trazem uma sonoridade bem pop, quase oitentista, além do indefectível falsete do Morrisey.
Há de se ressaltar também a perfeição na qual os instrumentos são tocados, como exemplo disso ouça "All the lazy dykes", a cadência da bateria é um brilho a mais. A faixa que encerra o álbum, "You Know I Couldn’t Last", faz um misto entre peso e melodia, e poderia pegar de surpresa qualquer desavisado que não soubesse do que e de quem se trata o álbum devido ao peso dos instrumentos. Sempre achei que os álbuns do Morrisey deviam ser cheio de tecladinhos, programações e pop em estado bruto, mas realmente me assustei com a quantidade de guitarras, bateria forte e peso presentes em quase todo o álbum.
Comprei o cd. Descobri um artista honesto, um figura muito humana, e um disco multi-estrelado. Mas se Morrisey queria mesmo acertar um alvo com a metralhadora da capa, e com o título do disco (algo do tipo você é o alvo), ele conseguiu. Morrisey, que não é de ficar lançando discos a esmo, fez um álbum que pode ser comparado à um bom vinho, daqueles feito com carinho, com todo cuidado, onde nenhum detalhe fica de fora, para que ao ser degustado possa revelar toda essa preocupação com a sua qualidade e o talento de quem foi o seu criador.