Por Johnny Paul Soares
Falar d'Os Mutantes não é tarefa fácil. A vasta bagagem musical incluída em cerca de 6 anos de estrada em seus tempos áureos (1967-1974) faz com que essa banda formada no bairro da Pompéia em São Paulo seja a mais inventiva do Brasil em anos, sendo comparada em termos com The Beatles.
Em 1972, cada vez mais próximos e íntimos com o LSD e outros alucinógenos, os irmãos Arnaldo e César Dias Baptista, a vocalista Rita Lee, o baixista Liminha e o baterista Dinho Leme registraram o clássico LP "Os Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets", onde fica nítida o quão cada vez mais perto ficavam do Rock Progressivo, fato esse que muitos dizem ter sido o motivo real de Rita Lee ter se afastado do grupo após o lançamento da bolacha.
Já sem Rita Lee, a mesma saiu completamente desiludida, mas com a cabeça em seus projetos, finalizando também o casamento com Arnaldo. Este, por sua vez, queria saber mesmo é de "transar um novo lance com Os Mutantes" e, ainda em 1972, o disco "Close to the Edge" do Yes fez por definitivo com que o grupo caísse de primeira no Progressivo.
Em 1973, após voltar para a "Mutantolândia" (local de ensaio na Serra da Cantareira) altamente embasbacado com o ensaio que vira de uma banda chamada Mescla e que tocava Acid Rock no bairro da Aclimação. O mesmo convidou seus companheiros para assistirem a mesma doideira sonora e, de primeiro momento, Arnaldo deu um tranco nos caras: "precisamos estudar mais. Esses garotos aí estão quebrando tudo". Há quem diga que o mais maluco do Mescla chegava a dissolver pequenas lascas de LSD nos olhos.
Depois do puxão de orelha de Arnaldo, Liminha chegou para o ensaio no dia seguinte com os dedos vermelhos de tanto que praticou em sua casa. Sérgio Dias e Dinho Leme também não tinha dúvidas... manter a posição de banda mais famosa do país era pouco. Eles tinham de ser os MELHORES. E foi assim que '73 teve início. Com a criação do show "Mutantes com 2 Mil Watts de Rock" era o nome ao pé da letra... a plateia recebia os 2 mil watts vindo dos 10 amplificadores transistorizados, sem contar o retorno de 600 watts de retorno para a banda se ouvir no palco. Enquanto rodavam o Brasil e faziam os ensaios na Serra da Cantareira, o repertório de "O A e o Z" foi surgindo em longas suítes progressivas nas viagens do LSD. O disco foi completamente ignorado pela Phonogram, essa alegando não haver "potencial comercial" algum no álbum e, além disso, a banda foi retirada do cast de artistas da gravadora. Dias depois, em um dos ensaios diários na Serra, o motorista da banda, Sardinha, interrompeu o ensaio aos berros desesperados avisando-os de que o motor do caminhão do grupo pegou fogo depois de uma tentativa de partida. Roadies, Sardinha, Mutantes, nada puderam fazer. Pouca coisa sobrou... Arnaldo ainda diria: "Começamos a achar que fizeram macumba para nós".
O álbum: "O A e o Z" é dividido em seis músicas que nada lembra a trupe de poucos anos atrás. Foi gravado no Estúdio Eldorado em São Paulo e sem playbacks e nem overdubs. Foi fielmente gravado do jeito que era ensaiado na Mutantolândia. Viagens progressivas em excesso maravilhoso, instrumentos impecavelmente tocados, vozes em harmonia arrepiante e uma pérola chamada "Uma Pessoa Só". Ainda que os elogios pareçam sair naturalmente, Os Mutantes dessa nova fase é claramente um pastiche do Yes. A única música que lembra os anos anteriores e que mantém as raízes e a que fecha o lado B, intitulada "Ainda Vou Transar Com Você". As belas "O A e o Z", "Hey Joe" (nada tem a ver com o rockão homônimo de Hendrix), "Rolling Stone", "Você Sabe" e a já citada pérola "Uma Pessoa Só" são daquelas de que não precisa muito para viajar. Basta apagar as luzes do seu quarto em uma noite escura, encher uma taça de vinho e colocar a agulha para trabalhar. Fantástico!
Mesmo com a cuidadosa produção, a época foi marcada pelo desastre. Já desanimado pela recusa de lançamento pela gravadora, cada vez mais fundo nas drogas e alucinado, tendo visões obscuras e entrando em uma depressão profunda, Arnaldo decide deixar a sua banda. O problema era pesado e tenso. Sérgio, Dinho e Leme resolvem partir para novos projetos para o grupo, mas sem o carisma e o talento de Arnaldo, nunca mais encontraram o caminho que queriam.
O disco ficou engavetado, inédito por 19 anos, até que a Polygram resolveu colocá-lo para rodar em 1992, já em formato de CD, desenterrando a última grande obra-prima da banda antes da saída de seu líder e mentor.
Se esse trabalho não ficasse escondido por tanto tempo, a história poderia ser outra. Mesmo assim, "O A e o Z" continua sendo um reflexo do que era o Rock Progressivo no Brasil, mesmo havendo grupos de grande calibre naqueles anos como Som Nosso de Cada Dia e os cariocas d'A Bolha.