Por Valdir Junior
Falar da música de Miles Davis é falar e contar sua importância dentro da evolução do jazz e, por que não, da música mundial do século vinte. Muito mais do que escutar a musica de Miles, devemos entender e principalmente senti-la, para isso precisamos conhecer tanto o homem, Miles Davis, como o momento histórico em que viveu.
No decorrer dos últimos vinte anos, a extensa discografia de Miles foi sendo relançada e acompanhada de edições especiais com caixas que tentam ao máximo trazer a completude, se é que isso é possível, de sua música, com takes e out-takes de cada sessão de gravação de seus álbuns, conhecer cada respiro de nota gravada só ressaltou ainda mais a genialidade de Miles Davis como também ajudou a entender todo o seu processo de trabalho e composição.
Em 2011 a Sony, pelo seu selo Legacy, seguindo o exemplo da “The Bootleg Series” de Bob Dylan, soltou o primeiro de uma séries de álbuns de gravações ao vivo de Miles, focando no período em que este esteve sobe contrato com a Columbia. “Live in Europe 1967: The Bootleg Series Vol. 1” traz gravações de Miles com seu segundo grande quinteto, com Wayne Shorter no saxofone, Herbie Hancock no piano, Ron Carter no baixo, e o baterista Tony Williams, durante o final de um tour pela Europa.
O álbum captura um momento ao mesmo tempo histórico e decisivo na carreira de Miles, primeiro por ser umas das últimas gravações ao vivo do quinteto, e segundo por dali alguns meses Miles já daria uma nova guinada na sua música eletrificando-a e incorporando elementos do rock e funk nela, criando o que viria a ser o Free Jazz. Nos três CDs do pacote temos a gravação de três shows no final de 1967 nas cidades de Antuérpia, Copenhagen e Paris e mais um DVD com shows gravados na Alemanha Ocidental e na Suécia.
Musicalmente, Miles e o quinteto vinham desde 1964 com uma série de álbuns de estúdio arrebatadores, “ESP”, “Miles Smiles” e “Sorcerer”, mostrando uma banda em completa sintonia, expandindo temas, harmonias e melodias e já encontrando e dando os primeiros passos em direção a um jazz mais livre e complexo. Ao vivo esse entrosamento elevava ainda mais as perfomaces das músicas, criando uma música e uma atmosfera de cumplicidade e de desafios em temas musicais que iam muito além da estrutura básica de harmonia e melodia da músicas, algo que pode ser comparada a um momento de completo transe, espiritual e musical entre os músicos e o público.
É interessante escutar os três shows desse álbum e perceber que em pleno ano do “verão do amor”, “flower Power”, “Sgt, Pepper’s” e Jimi Hendrix, Miles apesar de sempre antenado, absorveu muito mais o espírito de liberdade da época na sua música do que a psicodelia e a lisergia vigente. Nos CDs encontramos um repertório base nos três shows presentes, com uma ou outra mudança no alinhamento das músicas e nas suas durações e também faixas que davam uma geral na carreira de Miles. Vale destacar as faixas mais expressivas como “No Blues”, "Footprints", "Masqualero", "The Theme", "Agitation" e "'Round Midnight".
Altamente indicado tanto para os amantes do jazz como para aqueles que querem se aventurar em uma música mais sofisticada e inteligente, mas não de difícil acesso, “Live in Europe 1967: The Bootleg Series Vol. 1” de Miles Davis é a sugestão certa. No momento a “Bootleg Series” da Miles já se encontra em seu quarto volume, mostrando outros momentos musicais históricos ao vivo de Miles, uma série obrigatória, assim como o todo sua discografia, para se ouvir, conhecer e entender o porque de Miles Davis ser conhecido como um gênio.