Imagine o cenário: um grupo de fãs de indie rock conversa sobre 'hypes' do momento e bandas clássicas que os influenciaram, até o inevitável momento em que o nome Talking Heads surge do meio do papo. Alguns deles citam o envolvente hino alternativo "Psycho Killer", o que gera um breve momento de apreciação desse clássico inquestionável, seguido da rápida mudança de assunto, visto que ninguém conhece nada da banda além da música supracitada.
O que os ouvintes mais desavisados não sabem é que o Talking Heads, quarteto americano liderado pelo sempre pitoresco David Byrne, lançou pelo menos três álbuns que foram influentes para o punk rock, pós-punk, new wave, indie rock e música eletrônica! Vamos abordar aqui o "Talking Heads: 77", seu álbum de estreia - e sim, é nele que se encontra a música "Psycho Killer".
Para quem não sabe, tal álbum foi lançado em 1977, ano que nos trouxe os discos mais marcantes do punk rock. Então, se você estiver preparado para ouvir algo que siga os moldes dos Ramones, Sex Pistols ou The Clash, pode esquecer! A própria música de abertura, "Uh-Oh, Love Comes to Town" traz um sabor de pop quase tropical, o que dá o tom da essência imprevisível do grupo.
De toda forma, a preferência nesse trabalho foi pelos rocks dançantes, tais como "New Feeling" e "The Book I Read", canções que misturam a simplicidade dos seus músicos com a livre regência de Byrne. Por sinal, não demora para que o ouvinte esteja imerso nas principais características sonoras da banda: a voz tensa de Byrne, os arranjos cheios de detalhes sutis, e as letras que trazem uma visão deliciosamente bizarra do mundo e do nosso dia-a-dia.
Faixas como "Don't Worry About the Government" e "First Week/Last Week…Carefree" trazem uma espécie de alegria sonora, disfarçada por letras irônicas e por vezes desconexas. Já a variada "No Compassion" representa um lado quase progressivo do grupo. E até mesmo a curtíssima "Who Is It?" está longe de soar como um "enchimento de linguiça". Para fechar com chave de ouro, o rock "Pulled Up" soa como um verdadeiro convite para que o ouvinte continue sendo "sugado" pela intrigante música da banda.
Fugindo do peso das bandas punks, e também da obscuridade e melancolia das bandas de pós-punk, o Talking Heads concebeu o seu magnífico "Talking Heads: 77" como prova de que a atividade cerebral e emocional podem ser sumarizadas em uma música que, até mesmo em seus momentos mais galhofeiros, pode - e deve - ser levada a sério. Escute com atenção, e se prepare para conversas ainda mais ricas e detalhadas sobre o enorme universo do rock!
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Publicado também no blog do autor Rock em Análise