Por Ricardo Schott
O Ira! estava correndo riscos ainda piores do que os da época em que foi jogado para escanteio pela sua antiga gravadora, a Warner. Lançar um Ao Vivo MTV, Acústico MTV, pode até significar decadência - bom, hoje não é bem isso, já que lançar álbuns com a chancela da emissora talvez seja a única maneira de deixar uma carreira, seja qual ela for, andando nos trilhos. Mas há uns quatro anos, quando lançar discos de inéditas ainda era o procedimento normal, o grupo lançou um Ao Vivo MTV, seguido por um disco de carreira sem muita repercussão (Entre seus rins) e mais um Acústico MTV sem sal, que o vocalista Nasi bem que se esforçou para vender como "um dos melhores da banda". O selinho da estação de TV é hoje, o procedimento padrão - seja qual for o grau de rebeldia de um determinado artista, ele ainda vai acabar gravando um Acústico, Ao Vivo, Luau, qualquer troço desses.
E aí que pouca gente ainda acreditava que do mato do quarteto paulista ainda fosse sair um disco de inéditas. Edgard e Nasi lançaram discos solo - o vocalista, em especial, ainda conseguiu ser redescoberto pela mídia como figuraça de plantão, a bordo de entrevistas reveladoras para veículos como Playboy e Bizz - a banda deu uma parada discográfica e virou um.troço à mercê do mercado, contratados pelo selo Arsenal (do produtor Rick Bonadio, e a "casa do emo" de NX Zero, Hateen e CPM 22) e cedidos para a Sony para gravar um CD + DVD acústico. Parecia que as brigas com antigas gravadoras tinham levado o grupo a um certo grau de desencanto - traduzido no clima mais-ou-menos de Entre seus rins, no fato de Edgard Scandurra ter perdido seu status de compositor principal da banda para dar lugar a algumas covers (e vale lembrar que pouco antes disso tudo, o grupo chegou a lançar um disco só de regravações, Isto é amor), etc.
Em Invisível DJ, disco novo, dá pra torcer o nariz de cara pelo fato da banda ter gravado uma baladinha, meio boba, chamada "Eu vou tentar", de um sujeito chamado Koala. O cara é vocalista da banda emo Hateen e fornecedor do CPM 22, queridinhos do produtor Rick Bonadio, que comandou as gravações. O disco não é só isso, no entanto. Nem a produção "linha de montagem" de Rick consegue estragar o encanto de ver o Ira! mandando bala num rock pesado e repleto de climas (a faixa título, que vai entender porquê, me lembrou o Skank de Cosmotron!), num countryzinho que é a cara da banda-matriz do quarteto, o Who (a tragicômica "Mariana foi pro mar") e descobrindo algo entre Foo Fighters e Pixies num clássico do rock experimental nacional ("Feito gente", de Walter Franco, que já era repleta de boas guitarras na versão original).
O troço só fica meio bobo em músicas meio travadas como "A saga" e o rock´n roll "O candidato", de letra algo ingênua numa época em que já se comprovou o quase enterro da política partidária - mas que deve render algumas encrencas por causa de versos como "só quero um aeroporto com o nome do meu pai" e "não há ninguém no Brasil mais honesto que eu" (frase de Lula). Uma curiosidade é o fato de que Edgard Scandurra deve considerar seu primeiro LP solo, Amigos invisíveis (1989, WEA) desvalorizado até hoje - no novo disco, o grupo regrava pela segunda vez uma música do álbum, a baladinha "Culto de amor", em versão até melhor que o original.
Invisivel DJ vai além do costumeiro, em se tratando do que geralmente é alcançado pelas bandas de rock mais antigas do país - não é só um disco para "manter o fâ clube" e apresenta algumas novidades. Mas, para reacostumar o público e a si próprios, o Ira! tem que voltar a lançar discos de inéditas com regularidade.
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publicado originalmente na coluna do Ricardo Schott no Nitideal.