Por Felipe Lucena
Para muitos ecologistas, os manguezais são os ambientes naturais mais ricos em vida. Por lá, a natureza se mantém eterna, se renovando todos os dias sem deixar de ser o que é. A analogia não poderia ser outra para o disco "Mundo Livre S/A x Nação Zumbi", lançado em agosto deste ano, pela gravadora Deck. Na obra, as duas bandas mais importantes do movimento Manguebeat, criado em Recife em meados da década de 1990, trocam o set list e um conjunto toca algumas das canções mais famosas do outro. Como se vestissem outra casca. Uma renovação sem perder a essência, o que não é nenhuma novidade na carreira dos artistas que, normalmente, fazem trabalhos de muita qualidade.
Como se desse voltas pela capital do estado de Pernambuco, o disco tem como passo inicial "A Cidade" interpretada com a voz debochada de Fred Zero Quatro - principalmente nos trechos mais críticos "o de cima sobe e o de baixo desce". Mais à frente, "A Praiera" ganhou uma levada mais lenta, meio dramática, com um ar de tango. "Etinia" bem que poderia ter sido escrito pelos caras da Mundo Livre. Chega a confundir, mas a música é de Chico Science, lançada no disco Afrociberdelia, de 1996. A clássica "Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada" foi revestida com uma roupagem eletrônica, dançante e tem o ápice em um refrão em coro robótico. Impossível não se mover ao tocar. Dá choque.
Para dar uma relaxada no sistema nervoso, "No Olimpo" vem mais limpa. Leve. Uma boa balada, com um bonito coro ao fundo. A letra fica mais forte nessa nova versão,uma vez que o texto se sobressai. O cavaco punk da Mundo livre S/A chora com força no refrão de "Rios, Pontes E Overdrives". Os versos foram ordenados com muito swing. Nessa leitura, "Samba Makossa" vem dançante, caribenha, perdendo a agressividade da pancada original. Mas quem se importa? Vão todos celebrar!
A Nação Zumbi "entra" no disco interpretando logo de cara uma das músicas mais emblemáticas da banda parceira: "Livre Iniciativa". Na canção, o cavaco foi substituído pela cozinha de batuqueiros e por uma guitarra que discretamente se infiltra nos versos, além de dar peso ao refrão. O vocal sério de Jorge do Peixe não casou bem com a "Musa Da Ilha Grande". Entretanto, no instrumental, a Nação com seus batuques faz qualquer tia se mexer mesmo sem querer. Falando em mexer, em "Bolo De Ameixa", o grupo liderado por Du Peixe juntou uma guitarra presente e pesada ao leve reggae de fundo e acertou em cheio.
"Girando em torno do Sol" tem um bem elaborado arranjo de guitarras, ponto mais positivo da versão. A canção seguinte, "Pastilhas Coloridas", que fala sobre o uso de drogas, pode alucinar se o ouvinte fechar os olhos e se concentrar no som que fica ao fundo da grave voz de Jorge. Em outra música simbólica da Mundo Livre, a Nação, em uma levada mais lenta (não leve) aponta um dedo na cara do mundo em "Seu Suor É O Melhor De Você".
O disco é fechado com a festiva "O Velho James Brown Já Dizia", hit do carnaval de Pernambuco, música que, provavelmente, a Nação já tocou em outros bailes da vida. O "serpentinado" som tem como destaque a batida de marchinha, puxada pelo vocal. O desfecho do álbum não poderia ser melhor. Nada como a densidade de uma festa carnavalesca para resumir o trabalho dessas duas bandas que sempre tiveram diversos elementos em suas obras. Afortunados. Tal qual um mangue.