Por Anderson Nascimento
Após o boom do Rock nacional dos anos 80, algumas bandas inevitavelmente pereceram. As que sobraram estabilizaram-se, mantendo seu séquito de fãs, lançando discos e definindo o seu próprio caminho e estilo de música. As mudanças foram gritantes nas carreiras de alguns artistas, mudanças estas que permitiram que as bandas sobrevivessem com o fim da década. Foi assim com a Legião Urbana que partiu para temas mais intimistas, chegando a lançar um disco difícil como o "V", os Paralamas do Sucesso intensificaram o flerte com sons latinos, os Titãs viraram grunge e outras bandas, em queda livre, acabaram sucumbindo ou "deram um tempo".
No caso dos Engenheiros do Hawaii, a mudança foi ainda mais radical. O tradicional Folk-Rock a lá Bob Dylan que a banda trouxe especialmente no segundo e terceiro álbum foi abandonado, e a banda começou a investir em uma sonoridade mais progressiva, seguindo uma outra influência de Humberto Gessinger a banda Rush. Uma atitude no mínimo corajosa, uma vez que ninguém no Brasil estava interessado por essa vertente do Rock, principalmente por causa dos ares de Seattle que estavam sendo ventilados para o mundo.
No caso dos Engenheiros, a mudança foi acontecendo gradualmente. Ninguém percebeu que o álbum "O Papa É Pop", um verdadeiro sucesso pop dos Engenheiros, já continha alguns sutis elementos progressivos. No disco seguinte "Várias Variáveis" a tendência tornou-se explícita, o disco trazia takes falsos, inversões de voz, sons ininteligíveis, tudo isso com o apoio de um instrumental totalmente roqueiro.
Mas eis que o ano de 1992 chegou, e com ele a produção de um novo disco que fecharia mais um ciclo de três álbuns da banda. Com um bom retorno dos fãs no estilo, Humberto Gessinger, Carlos Maltz e Augusto Licks foram ao extremo no quesito Rock-Progressivo e juntos produziram uma magnífica obra de arte que representou o último disco de estúdio com a formação clássica da banda.
Um disco sem precedentes no Rock nacional que certa vez foi citado pela revista Bizz como um dos discos mais injustiçados do Rock brasileiro, e foi injustiçado mesmo. Alguns dos próprios fãs não entenderam tal "evolução", franziram a testa e ficaram em "estado de observação". A mídia da época desceu o pau, se bem que isso não conta muito, já que a banda sempre foi perseguida por eles. O rádio só tocou "Ninguém=Ninguém" e "Parabólica", e a partir daí uma dúvida pairou no ar: "qual o futuro dos Engenheiros?".
"GLM" é um disco único, as suas músicas estão unidas por idéias nonsense acompanhadas de instrumentais potencializados. Logo no início do disco, percebemos essa influência prog do disco, as três primeiras faixas são emendadas e meio que hipnotiza o ouvinte. "Ninguém=Ninguém" é um Rock bombado capaz de fazer pular o mais tranquilo dos ouvintes, a música é envolvida por côros, baixo pulsante, guitarra agressiva, e vocal gritado à altura do que a faixa pede. Sem dar tempo para o ouvinte respirar a música "?Até quando você vai ficar?", uma das melhores do disco e da carreira da banda, range uma porta e entra destruindo tudo, com a ajuda de um instrumentais novamente matadores e de sintetizadores inteligentes que dão uma cara ainda mais indeditista à obra. A terceira da sequência é "Pampa no Walkman", um parafraseado com a própria obra dos Engenheiros remetendo à "Sampa no Walkman" do disco anterior, trata-se de uma música no estilo interiorano gaúcho, uma verdadeira poesia encravada em um álbum de Rock. O disco segue portanto com viagens no tempo "Túnel do tempo", "Chuva de containers" um poderoso Punk-Rock-Pulsante, até chegar à "Pose (anos 90)", recentemente redescoberta e rearranjada para o Acústico Mtv, no final do lado 1 do vinil ela tem uma posição estratégica de dar uma oportunidade para o ouvinte refletir, respirar e ao mesmo tempo pôr ordem aos caos que as canções anteriores causaram, uma mensagem extremamente positivista, com direito a final falso a lá Beatles e tudo.
"No Inverso fica tarde + cedo", abre o lado 2 do vinil, um lado mais tranquilo, porém recheado de interlúdios e com um fim apoteótico. A música de abertura, uma bonita balada no piano, ainda traz os feitos psicodélicos do primeiro lado, abre espaço para "Canibal vegetariano devora planta carnívora", uma faixa também muito diferente do que os Engenheiros fizeram até então, trata-se de um Rock com frases esparsas. Bom, o disco segue com "Parabólica", segundo single do disco, que apesar de ser uma grande música, parece sobrar no meio do álbum, em meio a todo aquele caos. Humberto a fez em homenagem a sua filha e a música virou um sucesso no país inteiro. A partir daí entram as três músicas que formam o interlúdio final do álbum. Um dos maiores encerramentos de um disco nacional em todos os tempos. "A conquista do espelho" , "Problemas... sempre existiram" e "A conquista do espaço", são músicas que brincam o tempo todo com as palavras, com a situação em que vivíamos (e ainda vivemos) à época, uma verdadeira coleção de paradoxos, antevêem o último poema, justamente a última música do disco "A conquista do espaço", essa ficou na história. Sem deixar espaços vazios entre essas faixas, uma voz completamente desesperada faz uma perturbadora contagem regressiva: "5, 4, 3, 2, 1!!!", de onde uma suposta nave espacial parte para redescobrir o planeta terra. Nesse ponto, bizarras vozes computadorizadas produzem um efeito espacial, de onde todo o disco é revisitado, citações de "Pampa no Walkman", "Túnel do Tempo", "A conquista do espelho", aparecem ao longo da última música, trazendo também um Humberto com uma entristecida voz declamando frases como "Há muito já não somos como já fomos". O disco encerra com um aliviado "Francamente", e um som que se assemelha à um rolo de fita acabando.
"GLM" é um disco que precisa ser conhecido, precisa voltar à tona, um disco ímpar, corajoso, perfeito! Um dos meus maiores sonhos musicais seria ver a formação original reunida e tocando esse álbum ao vivo na íntegra. Bom, sonhar não custa nada!