Em tempos nos quais a figura do spoiler apresenta cada vez mais força, esperar um certo tempo após o lançamento de um álbum inédito para ouvi-lo com cuidado parace ser uma atitude de bom senso. Não que as resenhas deflagradas com o lançamento de discos representem uma espécie de "contaminação" à opinião alheia; longe disso. Mas é inegável que o período de maturação de algumas semanas após o surgimento dos trabalhos inéditos proporcionam uma audição mais limpa: a leitura dos textos que inundam as vistas de muitos servem apenas como mero referencial que, geralmente, se perde quando o leitor passa a ser ouvinte sincero de um novo registro. Portanto, este texto não foge a regra: é mais um entre tantos outros e talvez não agregue nada de novo para leitor algum. Mas essa espera para ouvir atentamente "The King of Limbs", nova supresa do Radiohead para o mundo, traz bons frutos para quem possui paciência.
Após quatro anos de um hiato bastante compreensível, a trupe de York foi mais longe em termos de complexidade do que o mais incrédulo ouvinte poderia supor. "The King of Limbs", oitavo registro do Radiohead, apresenta-se modulado em formato clássico cujo conteúdo prentende, incessantemente, apontar para o futuro. Formato clássico, sim: o álbum conta apenas com 8 faixas (oitavo disco, que coisa não?) e é bastante direto, assim como boa parte das coisas boas havidas na década de 80 (olha o "8" de novo aí) o foram: o debut do Iron Maiden, "Lets Dance" de David Bowie e "Master of Puppets" do Metallica são bons exemplos disto. Mas, do clássico, "The King of Limbs" vai em busco do novo, daquilo que não se conhece: é, em síntese, um disco difícil, complexo, que se apresenta diferente a cada audição e percebe diretamente os efeitos do ambiente em que o disco é projetado e ouvido.
Esta é a impressão que "Bloom", faixa de abertura, deixa transparecer. Parece ser o tema inicial ou de encerramento típico de um bom filme cult: experimento ouvir "Bloom" visualizando trechos de "Blade Runner" e você irá se sentir o próprio Deckard no encalço apaixonante dos Replicantes. Essa sonoridade complexa representa uma espécie de fio condutor que conduz o ouvinte por todo álbum: provas disto estão no corpo de "Feral", canção mais "radiohead" - leia-se "para lá de curiosa" - na carreira do Radiohead. Mas não é somente sons e impactos que "The King of Limbs" é composto: ele também é estruturado por inúmeras palavras que, unidas, formam um belo bofete no rosto de nossos tempos hipermodernos.
A letra de "Little by Little" é um bom exemplo disso: "Obrigações, complicações, rotinas e compromissos, é o trabalho que está matando você". O cumprimento hipócrita percebido em "Morning Mr. Magpie" pode igualmente ser interpretado como um descontentamento nitidamente atual: Mr Magpie é o "ladrão" da criatividade de nosso dia a dia, responsável pela mesmice que há muito percebemos. Como um todo, o novo álbum do Radiohead apresenta inúmeros significantes no que tange às suas letras, tanto que poderíamos escrever páginas e páginas sobre o tema.
Retornando ao quesito "musicalidade", apesar de muitos apontarem "Lotus Flower" como a canção mais fácil de ser digerida do novo disco, aqui temos que "Codex" e sua interessante condução ao piano representam os sinais mais característicos das "baladas" (e as "aspas" aqui fazem-se necessárias) que o Radiohead já produziu, a exemplo de "Fake Plastic Trees" e "Karma Police", o que a torna mais saborosa se comparada às demais faixas, cuja ausência de refrões e passagens complicadas tornam a audição um pouco mais complicada para quem não está habituado ao universo de paradoxos que o Radiohead é capaz de criar.
De qualquer maneira, levando-se em conta as inúmeras obras musicais intragáveis que somos obrigados a "degustar" todos os dias, "The King of Limbs" merece ser brindado como um ode à criatividade. Ainda que não seja um álbum apto a furar os cd players após infinitas audições, o mais novo registro do Radiohead não é, nem de longe, vazio: as inúmeras texturas que o compõem informam uma qualidade que poucos artistas são capazes de evidenciar nos dias de hoje. Will Hermes, crítico musical da Rolling Stone, ao analisar "The King of Limbs" fez uso do termo blossoming que, em linhas gerais, indica a ideia de florescer. Quem sabe é isto mesmo que "The King of Limbs" represente, o florescimento de uma criatividade complexa e diferente que luta para manter-se viva. Se isto é bom ou ruim, só o tempo dirá. Até lá, apenas uma coisa é certa: o mais recente trabalho do Radiohead, para ser de fato compreendido, merece uma dezena de audições. Paciência é, pois, uma virtude.
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Publicado originalmente no blog
Rock Pensante