Por Lazaro Cassar
Sempre que Elvis Costello lança um disco novo, eu costumo me perguntar: “Será que é um disco do Elvis Costello?” Explico:
Desde sua estréia, em 77, com o despojadíssimo e genial “My Aim is True”, Declan MacManus (seu nome verdadeiro) é associado ao Rock, independentemente do Punk, Blues, Country, Pop ou Ska (estilos nos quais transitou nos anos 70 e 80). Sé que a partir de “King of América” (86), Costello resolveu acrescentar um leve refinamento sonoro calcado na gênese de tudo aquilo que até então perpassara em suas canções. A tessitura de sua música tornou-se mais direcionada a um público heterogêneo, não especificamente roqueiro. Estaria, digamos, algo entre Errol Garner e Paul McCartney (seu, então, futuro parceiro). Virou artista sério”, mas nunca chato, como o Andy Summers.
Nos anos 90, Costello elevou a enésima potência seu aprofundamento musical em discos como o eurudito (e belíssimo) “The Julliet Letters”, o refinado e deliciosamente pomposo “Painted from memory” (com Burt Bacharach) ou simplesmente com o The Attactions em “All this useless beauty”, álbum de 12 faixasem que apenas 3 são roqueiras. Não estou desmerecendo o disco, pelo contrário, é bem superior ao “Brutal Youth” (94), mas havia uma saudade daquela simplicidade pop falecida em 1986. Elvis se tornou um dos músicos mais ecléticamente completos do mundo, sempre ovacionado pela crítica. Mas onde é que está o meu Rock’n’Roll?
Aí eu volto à pergunta do começo do texto. Nunca se sabe como será um novo álbum do Elvis Costello. No entanto, para os fãs (como eu) ele será sempre o Costello de “Armed Forces”, “This Year’s Model”ou “Get Happy”, álbuns do início, roqueiros (mas nunca descerebrados) e juvenis. Só que hoje, um quarentão (quase cinquentão), Costello cresceu musicalmente. E, talvez por isso, seja o único sobrevivente de sua geração.
Mas eis que, surpreendentemente (no caso dele, isso é até redundante), em 2002, o cara é acometido por um furor retroativo e lança seu disco mais roqueiro em dez, quinze anos: “When I Was Cruel”. Sugestivo, não?
Dizer que o disco me remete à sua fase inicial seria falsidade. Lógico, hoje ele é um senhor músico. Mesmo os Rocks vêm acrescidos de elementos extra-one-two-three que não são comuns às demais canções do gênero feitas hoje. Salvo aliás, “Tear off your own head”, “Dissolve” e “Daddy Can I Turn This?”, porradas deliciosamente simples, sujas e agrassivas. “15 Petals” é uma das mais violentas do disco, embora a ritmicidade se deva à junção de percursão, alferindo-lhe um “quê” tribal, e metais. “Dust 2...” Tem uma bateria que lembra muito hinos de guerra (pertinente à temática da letra) e é cortada por uma guitarra densa, que cresce como se antecedesse algo maior. “Epidode of Blond” (minha preferida) é cantada de forma dylanesca. A letra, sarcástica e nonsense, é quilométrica, e sua musicalidade é repleta de tecidos latinos. “Álibi” é um emocionante pedido de redenção, ainda que seccionadamente voraz e desesperador. O texto é de uma violência devastadora e catártica, e o vocal de Costello, agonizante.
Um disco que transita entre o caótico e o soturno. Algumas faixas sequer precisam de guitarras ressonantes para serem violentas. E, não, o disco não é clichê quanto essa quantidade de adjetivos que eu utilizei. Não é um álbum magistral. É um álbum “ducacete”!.
É melhor do que “The Juliet Letters”?Não. É diferente. Felizmente, tanto para Costelloquanto para o seu público, sua música evoluiu, adquiriu uma densidade compatível com a idade do compositor. Um ecletismo digno do mais dedicado pesquisador de camadas sonoras.
Mas é tão bom ouvir umas porradinhas de vez em quando...