Resenha do Cd Nevermind / Nirvana

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NEVERMIND
NIRVANA
1991


Por Rafael Correa

Escrever sobre "Nevermind", nos dias de hoje, é uma tarefa difícil. Não apenas pelas inúmeras resenhas de peso que já foram editadas ou pela relevância do disco em si, mas também pela complexidade de compreender e aplicar na atualidade o impacto e efeitos que o álbum espalhou desde o seu lançamento.

Se em 1991 "Smeels Like Teen Spirit" representou um fenômeno radiofônico sem precedentes, quiçá hoje ele possa evidenciar algo totalmente diverso: um momento de ruptura com o modo de fazer música (em especial, o rock n roll) que vigorava até então.

Ao contrário do momento que permeou a produção de "Bleach", em 1989, a situação do Nirvana quando do registro de "Nevermind" era razoavelmente melhor. Além de contar com um novo regente para as baquetas (obviamente figurado por Dave Grohl), a banda assinara um contrato de gravação com a Geffen, muito embora neste fato não resida um vislumbre peremptório de expectativas. Mas, por certo, evidenciava um rol de oportunidades muito mais extenso e otimizado.

Este quadro, em verdade, apresenta um nítido traço incongruente da personalidade de Kurt Cobain. Apesar de deter um forte apego aos ideais punk, Kurt concebera o Nirvana, desde o início, como um projeto voltado para o sucesso. Em seus diários, Cobain registrava objetivos e metas para o grupo, enquanto confecciova, ao mesmo passo, entrevistas imaginárias e resenhas positivas sobre os álbuns ainda inéditos da banda. Assim, ao mesmo tempo em que abraçava o punk em sua completude, Kurt apontava para a trilha da construção pop esteada pela sinceridade da música independente.

Grande parte das composições que integram "Nevermind" remetem à um período antecedente a gravação das mesmas. Sinal de amplo amadurecimento musical, todas as faixas desenvolvem-se de modo mais simples e objetivo, se comparadas com o trabalho anterior. Ainda que as sessões de gravações de "Nevermind" tenham sido mais ásperas que as de "Bleach" (isto porque, de acordo com a biografia de Cobain, o líder do Nirvana teve dificuldade em gravar as frases de guitarra que permeiam o disco), todas as canções fluem agradavelmente durante a sua audição.

Tal fato se percebe já no primeiro segundo de "Smells Like Teen Spirit". Em verdade, o riff desta canção é a verdadeira abertura dos portões da musicalidade dos anos 90, que romperia com tudo o que havia sido feito anteriormente. De tão executada nas rádios, o Nirvana chegou a excluí-la de seu set list durante um bom tempo.

Mas não se pode negar que a faixa que abre "Nevermind" abre também todo um novo modo de se fazer música. Na sequência, "In Bloom" reverbera todo o sarcasmo de Cobain, isto mesclado com uma construção musical interessantíssima e pesada. Em "Come as You Are", encontramos o nosso primeiro ponto de reflexão. A letra é extremamente densa e forte, acompanhada por um riff que, de tão simples, chega a soar um tanto complexo. "Come as You Are" poderia ser tocada em uma rádio punk, em uma rádio pop ou em churrasco entre amigos: durante os anos 90, foi ela a mais reproduzida em diversas vertentes radiofônicas.

"Breed" também aposta no viés poético e lunático de Cobain para captar o ouvinte. O refrão, se abstraído e refletido com atenção, demonstra a problemática relação do frontman do Nirvana com sua família. É, em verdade, uma lição de vida: "Even if you have / Even if you need / I dont mean to stare / We dont have to breed / We can plant a house / We can build a tree / I dont even care / We could have all three / She said" (Mesmo que você tenha aquilo/ Mesmo que você precise / Eu não dou a mínima / Nós não temos que reproduzir / Podemos plantar uma casa / Podemos construir uma árvore / Eu não ligo mesmo / Poderíamos ter todos os três [casa, árvore, filhos] / Ela disse)"

Na verdade, muitos consideram estas quatro canções iniciais os pilares eternos que sustentam "Nevermind", mas não podemos olvidar das demais canções. Como não perceber o desabafo sincero e sôfrego de "Lithium" e "Something In the Way", ambas faixas contruídas com um alicerce musical perene? Ou ainda "Territorial Pissings", "Drain You", "On a Plain", "Polly", "Stay Away" e "Lounge Act"?

Todas canções são especiais. Além de concretizações sinceras, são músicas que movimentaram a cena musical de todo o mundo, desde os Estados Unidos até o Velho Mundo. Com estas canções, a Terra não conheceu apenas um dos melhores grupos já vistos, mas também o (provável) ícone eterno que, em uma geração, sintetizou todo o anseio de quase cinco décadas de rock n roll. Bob Dylan, no auge de sua nobreza, quando ouviu "Polly" na sala do editor da Rolling Stone, Michael Lydon, apenas disse: "Esse garoto tem coragem." Tantos outros amariam ou odiariam Cobain, mas Dylan foi perfeito em sua constatação: Kurt e o Nirvana eram corajosos, e ninguém pode dizer o contrário sem correr o risco de errar feio.

Até hoje, "Nevermind" é considerado por muitos estudiosos dedicados à música e ao rock n roll como o segundo melhor disco da história da humanidade, apenas superado por "Revolver", confeccionado pelos quatro rapazes de Liverpool. No entanto, não há uma certeza quanto a isso. O Nirvana é uma banda amada por muitos e literalmente odiada por tantos outros. Todavia, acreditamos que, após uma reflexão, devemos nos curvar a "Nevermind" com deferência, afinal, ele foi o álbum que destronou "Dangerous", de Michael Jackson, do topo das paradas, e lançou-se sobre os dois "Use Your Illusions" do Guns e o "Black Album" do Metallica, ultrpassando-os em vendagem e, em certo ponto, em qualidade artística.

Se o Nirvana é eterno, "Nevermind" é o primeiro degrau desta escadaria, degrau este que deve ouvido por todos com respeito e zelo, seja qual for a posição ouvinte sobre a banda. Muito da musicalidade dos anos 90 deve a este álbum o seu crédito e, todos nós, apaixonados por música, esperamos ansiosa e ilusoriamente por um novo "Nevermind". Afinal, ele é satisfação e intensidade do início ao fim.

Resenha Publicada em 04/04/2010





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