Por Tiago Meneses
Quantas bandas com mais de trinta anos de carreira conseguem fazer com que o seu trabalho mais recente seja o melhor? Se essa pergunta me fosse feita em 2014 e antes que o IQ lançasse seu álbum The Road of Bones, responderia certamente que nenhuma. Mas desde aquele dia minha resposta é outra, afinal, The Road of Bones é sim em minha opinião o melhor trabalho da carreira da banda inglesa.
Mas ainda assim, como nada é unânime, qualquer álbum do IQ está obviamente sujeito a uma grande gama de opiniões que variam desde "obra-prima" até "não entendi muito bem", "não gostei de nada", "prefiro os clássicos". Mas acima disso tudo, vi nesse álbum que a banda não somente foi um dos resistentes ao "desaparecimento" iminente do progressivo no final dos anos 70, como mesmo depois de três décadas, mostram que obras relevantes e musicalmente tão ricas quanto os "anos de ouro" do gênero ainda estão entrando em catálogo.
Particularmente eu sou um fã da banda, tirando dois deslizes seguidos no final dos anos oitenta com seus discos, Nomzamo de 1987 e Are You Sitting Comfortably? de 1989, a banda sempre foi coesa, lançando senão excelentes, ao menos bons discos. A versão aqui publicada é a do disco duplo, pra que assim a viagem seja completa e toda a experiência musical de The Road of Bones possa ser sentida. A capa do álbum já é algo bastante condizente com a música em si, ou seja, um clima sombrio, uma tristeza melancólica sob uma névoa. Um dos principais responsáveis para que o desenvolvimento disso tudo tenha um grande resultado ficou por conta das mãos do tecladista Neil Durant que arquitetou tudo com extrema competência.
CD1:
O disco começa através da faixa From The Outside In. A música tem o seu início com a voz do ator húngaro, Bela Lugosi, que interpretou Drácula em 1931, a frase é justamente uma famosa do filme em que ele diz listen to them, children of the night, what music they make, isso junto de um som atmosférico. Então os instrumentos entram em uma explosão que faz lembrar o som que a banda de neo progressivo dos seus compatriotas da Galahad fizeram nos seus discos mais recentes. Na abertura já nos é apresentado um poderoso mellotron, e segue assim por toda a faixa, exceto no momento que ela se acentua mais. O baixo é extremamente profundo. A canção tem um brilho melancólico incrível. É uma das faixas mais pesadas que a banda fez em toda a sua discografia, quase um metal progressivo.
A música seguinte é a que dá nome ao disco. The Road of Bones é sensacional. Possui um brilho moderno, partes com teclados orquestrais, baixo fretless e uma instrumentação que varia entre uma grande leveza a crescentes partes sinfônicas que são avassaladoras, criando uma paisagem sonora soberba.
Em 2004, dez anos antes do lançamento de The Road of Bones, a banda gravou um épico, "Harvest of Souls", para o disco Dark Matter. Aqui digo que gravaram uma música companheira a ela chamada "Without Walls", algo me faz uma lembrar a outra. Um épico de mais de 19 minutos. Tem o começo em uma cadencia de balada um tanto esquecível. Mas ainda bem que a musicalidade da faixa é substituída por uma levada de guitarra e baterias ao estilo "Kahsmir" do Led Zeppelin. No meio tem uma parte introspectiva criada por uma orquestração até a entrada de um violão e o vocal sereno e emotivo de Peter Nicholls. A faixa então novamente ganha uma cadencia mais excitante até que parece ter chegado ao seu fim, com os instrumentos sendo tocados de maneira que parecem estarem finalizando a faixa, mas então tudo volta a mesma instrumentação inicial, sim, aquele que não me agradou, mas agora tem a vantagem de ser um som mais encorpado com direito a um bonito solo final de guitarra.
Ocean é uma música que confesso ter demorado até que pudesse de fato apreciá-la. De clima pastoral, bucólico e atmosfera pura muitas vezes por conta do clima criado pelo teclado de Neil Durant que é completamente influenciado por Tony Banks. Uma balada simples que vai crescendo conforme nos acostumamos com ela. Destaque também para os vocais emotivos.
Until the End encerra o primeiro CD de forma positiva. Após introdução de cerca de três minutos em tom de balada, a música entra em uma crescente onde os trabalhos de maior destaque ficam por conta da bateria criativa e enérgica de Paul Cook e as linhas de baixo criativas de Tim Esau. Mas toda a banda desempenha bem o seu papel. Vocal, ambientação criada pelo teclado e uma bela guitarra de final. Uma música que soa de forma menos obscura que boa parte do resto do álbum, ainda que seu final seja melancólico.
CD2:
O CD 2 abre com Knucklehead através de uma seção rítmica que remete a sonoridades indianas. Um dos melhores momentos de guitarra do álbum está nessa faixa. Desde a parte acústica que encerra a linha indiana, seguido por um trabalho pesado e um bom arpejo. A seção rítmica é algo que brilha durante absolutamente toda a canção. Uma música de começo sereno e de final enérgico.
"1312 Overture", o nome da faixa é uma alusão bem-humorada a peça 1812 do compositor russo PyotrTchaikovsky (1840 1893). Uma curta faixa instrumental em que Neil Durant é o maior destaque criativo, nos brindando de maneira ímpar com um trabalho que por si só vale por toda a música. Não é complexo, mas é belo e progressivo.
Cosntellations" já no início carrega uma excelente percussão e mellotron. Poucas vezes durante toda a carreira da banda nota-se um grupo com o grau tão elevado de inspiração. Os vocais de nicholls estão no seu ápice de beleza e emotividade, compelido para a grandiosidade e excelência novamente dos teclados, esses por sua vez impulsionados por linhas de baixo corpulentas e uma condução rítmica sensacional de bateria. Michael Holmes que até então só havia feito bons trabalhos de guitarra, aqui finalmente brilha junto dos demais pra compor um som que já nasceu com status de clássico. Com claras influências de Genesis, a banda atingiu um apogeu musical como poucas vezes foi visto durante a carreira. Sensacional.
O álbum segue agora com a belíssima, "Fall and Rise". Uma balada sublime em que Tim Esau brilha com o seu baixo fretless através de linhas maravilhosas entrelaçadas a bateria sinuosa de Paul Cook. No meio da faixa, Michael Holmes mostra o quão bom também é no violão em um solo simples, mas ao mesmo tempo, com bastante feeling, bem no estilo guitarra espanhola e que casa muito bem com os vocais. Outra vez os teclados de NEIL DURANT são excepcionais.
"Ten Million Demons" é mais um dos momentos arrepiantes do álbum. Começa isoladamente com algumas notas de baixo que logo ganha a companhia dos demais instrumentos. O que Durant faz nessa música não pode ser considerado menos do que soberbo. As progressões de acordes escolhidas pelo tecladista são maravilhosamente saborosas de ouvir. Se existe alguém que faz com que essa música seja da grandeza que é com certeza essa pessoa é ele. Sempre com nítidas influências em Tony Banks, mas sabendo se apresentar de forma singular. Ouvi-la com um fone de ouvido e luzes apagadas é uma forma mais barata de viajar pra fora de órbita.
"Hardcore" é a faixa que finaliza o álbum. Sonoridade triste, gótica, fazendo lembrar o compositor clássico alemão Wagner, mas claro, dentro de um contexto progressivo, injetando uma carga sombria na música. Destaque também para o uso do mellotron, executado de forma melíflua. O álbum finaliza com sua música mais fúnebre. O baixo de Tim Esau tem um breve momento de solo, sempre carregado com notas tristes. Michael Holmes faz uma mescla entre duas de suas influências, Steve Hackett e Anthony Phillips pra compor um final acústico ao álbum que é sublime.
É muito bom ver que em pleno ano de 2014 uma obra de rock progressivo dessa magnitude. Perceber que ao contrário do que costuma acontecer com muitas bandas com bom tempo de estradas, o IQ lançou seus melhores álbuns a partir dos anos 2000. A produção, o som, a qualidade das músicas, enfim, tudo ficou impecável. Vida longa a uma banda que depois de tanto tempo de estrada não se acomoda, mas procura de fato fazer sempre algo melhor do que o que foi feito anteriormente. Indispensável.