Por Tarcisio Sampaio
Até onde vai a amplitude de um par de pic-ups e dois microfones?. Não é preciso ser um engenheiro de som para entender como tão pouco equipamento se tornou o primeiro caminho difusor de uma cultura inteira nas mãos de Run, DMC e Jam-Master-Jay.
Mesmo que os nomes dos caras já entreguem o nome da banda, com certeza a massa não estava preparada pro que eles entregariam em seu trabalho. Direto dos subúrbios do Queens em Nova York para o mundo, o Run DMC se tornaria um dos grupos de Rap mais respeitados do planeta, e responsáveis pela incrível façanha de distribuir toda a cultura Hip-Hop pelos ouvidos da população mundial, que foi surpreendida com toda força de um movimento periférico explodindo graves sem racismos.
Com dois ótimos discos sólidos, o grupo já tinha adquirido respeito e certa visibilidade dentro da cena que ajudariam a popularizar, mas eles queriam mais. Abril de 1986, população em estado de choque com as explosões nucleares em Chernobyl que em pouco tempo causaram enorme destruição, mas musicalmente falando nada pode ser mais explosivo ou radioativo do que as palavras e beats excretadas por três jovens que cresceram no crime e na pobreza, que carregavam na pele a cor e a cultura de seu povo. Foi em maio do mesmo ano que o Run-DMC levaria o Hip-Hop voando de primeira classe no seu próximo trabalho para viajar pelo mundo a fora, visitando direta ou indiretamente cada ser terrestre que pudesse ouvir ondas sonoras.
Raising Hell, terceiro álbum da banda, começa forte e se mantem poderoso do início ao fim. Tudo que o Run DMC tem de melhor está aqui. Simples e bruto as canções combinam energia vocal, batidas potentes e a pureza de expressão que o faz ser o primeiro grande álbum de rap na história da música. O trabalho contém uma fluidez e uma sintonia que paira sobre toda audição da obra, é muito difícil desvirtuar as músicas uma vez que elas compõem uma harmonia concreta entre si, e demostram um resultado bem produzido e poderoso.
Um dos pontos mais altos do álbum vem chegando logo entre as primeiras faixas, It's tricky, uma peça bem construída com um refrão contagiante que agrega todas as características que fizeram da banda uma influência pra gerações futuras, a canção se tornou um clássico do gênero reaparecendo em vários covers assim como em outras mídias incluindo Filmes, séries e jogos como Os Simpsons, American Idol e Forza Horizon 3. Sem pisar no freio e sem cinto de segurança o impacto é forte logo na faixa seguinte, My Adidas deixa explicito a importância das roupas e acessórios no movimento, os rappers do grupo viraram referencias também no campo da moda, ditando o estilo das ruas e das tribos que curtiam sua música, assim como previram a tendência ostentativa que tomaria a música como um todo anos depois.
Se o lema era desmistificar e misturar, isso foi levado bem a sério. Utilizando do rock como assistente, faixas como Raising Hell e Walk This Way mostraram a capacidade de diversificação cultural da banda, que sem perder as raízes incorporou os elementos de outro estilo em prol de sua arte. Walk This Way, cover do Aerosmith, contou ainda com a participação do Rockeiros em um clipe que mostra a junção de nichos desmistificando o preconceito, tendo se tornado um marco audiovisual da década além de ressuscitar a carreira da banda de rock e levar o Rap com força as telas da MTV.
Consta no cardápio outras porções de conteúdo para serem absorvidas, como nas experimentações com beat box que podem ser ouvidas em Hit It Run e Son of Byford, e que trazem da forma mais pura os sons dos guetos nas vozes dos seus representantes. Que por sinal representam na última música do disco toda melanina do movimento que os criou, Proud to Be Black é um discurso feroz e motivado que deixa nítido a força de um povo e de suas lutas, além de finalizar Raising Hell identificando a fonte de seu poder, a grandiosidade de sua trajetória e a coragem de mover sua música sem medo de expor suas origens.
Escutar Run DMC é consumir todo preenchimento sonoro que um estilo pode oferecer, a banda é uma das mais influentes da história no seu meio e foi responsável por levar ao globo toda magnitude do gênero musical mais ouvido da contemporaneidade. O ouvinte que com grande esperteza escolher trilhar seu destino rumo a Raising Hell baterá de frente com toneladas de Hip-Hop massivo e monumental. Dessa forma o álbum foi a reposta da banda para a mazela representativa que a música negra habitava, e para a pergunta que ditei ele também funciona como resposta: Não existem limites para a amplitude de duas pic-ups e dois microfones. Se fosse para definir esta obra em uma só palavra usaria do mesmo para me expressar, sexta faixa: Perfection.