Resenha do Cd A Mulher Do Fim Do Mundo / Elza Soares

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A MULHER DO FIM DO MUNDO
ELZA SOARES
2015

CIRCUS PRODUÇÕES
Por Guilherme Cruz

Elza Soares, aos 85 anos (idade que tinha ao lançar o álbum), se afirma entre as cantoras mais modernas da contemporaneidade. Conseguindo colocar um olho na tradição do samba (da qual é parte indissociável) e outro na atualidade dos sons eletrônicos e roqueiros dos compositores da cena independente paulistana.

Mas não é apenas a múltipla direção de seu olhar que a torna um criativo camaleão dentro da nossa música, ao juntar distorções roqueiras ao seu DNA sambista ela impõem com força temas atuais e importantes.

O disco A Mulher do Fim do Mundo vai desfiar questões pungentes, que permeiam o dia a dia, mas que muitas vezes são silenciados. Abrindo, à capela, com "Coração do Mar", poema de Oswald de Andrade, Elza não apenas faz ressoar sua poderosa voz, que desafia o tempo e o corpo, mas deixa escorrer as lágrimas dos negros trazidos nos navios negreiros.

As músicas do disco compõem o cenário apocalíptico do fim do mundo (ou dos dias atuais), sendo a cantora nossa cicerone, que sente as dores que canta, ela indica ao nosso olhar as feridas do mundo. Seu canto se ergue em "A Mulher do Fim do Mundo" para que possamos deixá-la cantar até o fim, enquanto desfilamos em um carnaval de lágrimas e de anjos caídos.

"Maria da Vila Matilde" é a música mais forte do disco, de forma eletrônica e minimalista, a música exalta a importância das mulheres reagirem e lutarem contra a violência que lhes é direcionada. "Luz Vermelha" é o sinal de atenção que acende à nossa frente, nos alertando para as consequências de nossos atos.

A liberdade corporal e sexual é cantada no samba-rock "Pra Fuder". Todavia, na contramão dessa liberdade, "Benedita" canta, de forma crua, a história do submundo da violência e das drogas no corpo de uma transexual. "Firmeza" é a atualização sem soar artificial de "Sinal Fechado" de Paulinho da Viola, reafirmando a velocidade dos tempos modernos que nos afastam um dos outros. Alias, parte importante da tônica do disco é a solidão existente em todos nós neste século. "Dança" é uma sombria música sobre estar só em um mundo que se esfacela à nossa volta.

Ao cavucar o chão de sal em "Canal", Elza nos mostra almas perdidas e atormentadas por uma vida de exploração e dor. O fim do mundo trás um deslocamento de nós mesmos, "Solto" mostra a cantora andando sem rumo, sozinha e estrangeira dentro de seu próprio caminho. Mas nos alenta em "Comigo" encarnando os antepassados como nossos companheiros, terminando o álbum assim como começou, à capela, despida de qualquer ornamento sonoro, apenas Elza e sua voz.

Elza Soares traz um mundo moderno, caótico, dissonante e brilhante. Cantando as tristezas dos negros, das mulheres oprimidas e dos gauches na vida com sua voz rouca e poderosa. Um disco que nos modificará a cada vez que o ouvirmos.

Resenha Publicada em 14/07/2016





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