O primeiro disco de Marcelo Camelo já traz um compositor experiente. Os empreendimentos com o quarteto Los Hermanos e as colaborações com outros intérpretes – como Maria Rita, Erasmo Carlos e Roberta Sá – cercaram de expectativa o trabalho de estreia do cancionista carioca. De caráter intimista, Sou tem como mote a solidão, tema que orienta o processo de criação poético-musical do disco.
“Janta” e “Doce Solidão” apresentam a proposta do disco de forma prontamente assimilável: são canções simples que tratam de relações humanas, do sujeito em si mesmo e em comunhão com o outro. Em alguns momentos, como “Passeando” e “Liberdade”, o interlocutor da voz poética é a divindade, reverberação de um sujeito tomado pela melancolia. A experiência da solidão é marcada pela presença de um objeto em particular, a televisão, refúgio da alienação humana, como pode ser observado em “Téo e a Gaivota” e “Santa Chuva”. Em oposição à melancolia predominante no disco, “Copacabana” celebra a cidade como espaço privilegiado de convivência social, ou, ainda, a antítese da solidão pela experiência coletiva, o que significa, materialmente, virar o texto da capa, “sou”, e encontrar “nós” (poema vistual do artista plástico Rodrigo Linares).
A sonoridade do disco responde, em grande parte, pela consistência de sua proposta estética. O ciclo de canções é bastante diverso, combinando momentos de introspecção e euforia, ou ainda, de silêncio e carnaval. Para além das canções em formato tradicional, vale destacar dois exemplos bem-sucedidos de uma forma pouco usual, “Passeando” e “Saudade”: peças predominantemente instrumentais que apresentam breve conteúdo poético. De maneira geral, o capricho na execução de violões e guitarras, o acompanhamento refinado da banda Hurtmold e a parcimônia dos arranjos criam uma atmosfera aconchegante e reflexiva, resultado de um olhar positivo para a experiência do sujeito em solidão. Trata-se, no fim, da experiência do artista na construção de sua obra, o que atribui ao disco, de certa forma, um viés autobiográfico.
A julgar por este primeiro disco, é possível dizer que Marcelo Camelo abraça a seriedade e a diligência como assinaturas de seu trabalho de compositor. À parte o ótimo ciclo de canções, Sou é um disco de rara consistência estética e conceitual. A atmosfera melancólica pode, a princípio, afastar uma audiência que anseia por fruição imediata. Não obstante, a arte sempre se valeu desse sentimento para nos legar grandes obras. Adaptemos, pois, o ditado: a pressa é inimiga da apreciação. Boa audição, leitor!