Por Rafael Correa
Das bandas de real destaque que floresceram neste novo século, os Strokes foram, certamente, um dos grupos responsáveis por fazer despontar no horizonte um fio de esperança para a continuidade do bom rock n’ roll, distante, em certa medida, de todas as tendências nitidamente comerciais que permeiam a música da virada do ano 2000 até hoje. Com seu mais recente trabalho, a trupe de Casablancas seguiu a trilha neste mesmo sentido. E, no fim das contas, este é o seu calcanhar de Aquiles: com “Angles”, os Strokes acabaram por dar um passo longo demais na direção de tal horizonte.
De início, o que mais impressiona em “Angles” são dois elementos que, ao longo da audição, podem ser constantemente percebidos: a sua incessante fuga do óbvio e a sonoridade calcada nas diretrizes oitentistas. Esta última característica é nítida já nos segundos iniciais de “Machu Picchu”, faixa de abertura do disco. O beat provido por Moretti nessa canção (e como em boa parte das demais) é responsável pelo seu crescimento, pelo seu desenvolvimento – e também pela sensação de ter um “pezinho” nos anos 80, que também se manifesta na musicalidade da faixa “Two Kinds of Happiness”. David Fricke, crítico musical que dispensa apresentações, classificou o trabalho do brasileiro, em sua resenha para a Rolling Stone, como “estóico”, no sentido de que todas as demais passagens das canções (sejam das quatro ou seis cordas) nascem obrigatoriamente do movimento de suas baquetas. Talvez por isso, essa constante sonora seja percebida nas dez faixas que compõem “Angles” o que, por si só, não concretiza algo negativo.
Na verdade, as coisas ficam um pouco mais complicadas quando o referencial dos anos 80 se junta com a incessante busca pelo novo, com fuga do óbvio. Isso faz com que “Angles” seja diametralmente oposto ao cannonball representado por “This is It”. Aliás, em certa medida, “Angles” pouco se assemelha ao até então mais “ousado” trabalho da banda, “First Impressions of Earth”. Contudo, isto não significa que o mais recente trabalho dos Strokes seja descartável, pelo contrário; e diversas faixas dão conta desta perspectiva.
“Under Cover of Darkness” é prova disso, podendo ser considerada a canção mais “próxima” aos clássicos já destrinchados pelos Strokes. Das faixas que inovam, destaca-se “Call Me Back”, uma bela peça artística que remete o ouvinte para dentro de si, enquanto as seis cordas seguem em um compasso muito familiar aos tímpanos brasileiros. É uma canção calma e reflexiva, permeada por jogos de vocais, que em nada se assemelha à objetividade dançante de “Someday”, por exemplo. Mas é, de longe, a canção mais interessante que “Angles” tem a oferecer. Outro bom momento repousa em “Life is Simple in the Moonlight”, que potencializa as características de “Call Me Back” com acerto, aliando a sacada da letra com uma musicalidade interessante. Mas “Angles” também tem espaços para esquisitices sem sentido: “You’re So Right” faz uso de samples eletrônicos em MIDI para tentar concatenar as linhas de baixo e guitarra. De tão estranha e aparentemente equivocada, “You’re So Right” poderia seguramente estar incluída no novo disco do Radiohead, “The King of Limbs”.
Mas não se engane: “Angles” é um excelente disco. Afastado do óbvio, o álbum proporciona uma nova e interessante reflexão, ora desconexa, ora objetiva, mas, ainda assim, nitidamente artística. O grande problema reside na irresistível comparação com os trabalhos que o precederam: em tal comparativo, “Angles” não parece fruto do trabalho dos Strokes, mas sim de uma banda cuja identidade ainda não fora bem delineada. No fim, Casablancas e cia. merecem aplausos pela coragem de soltar as amarras do passado e voar em direção ao novo. Uma pena que isso não traga como resultado aquilo que muitos queriam ouvir.