Por Johnny Paul Soares
Para início de conversa, deixe de lado aquela garrafa de vinho que faz a famosa dobradinha com um bom e velho Rock 'N Roll nas caixas, afinal, em se tratando desse trabalho, "Não Fale Com Paredes" já é a dobradinha sem precisar de bebidas ou coisas do tipo. É assim que começo a VIAGEM para essa resenha sobre o único (e raro) álbum lançado pelos cariocas do Módulo 1000, uma pérola que ficou perdida ao vento mas que no decorrer dos anos virou um clássico à prova do tempo.
O tempo que a banda ficou na ativa foi, bem dizendo, meteórica, mas suficiente para deixar este registro estratosférico, peça fundamental e uma das pioneiras do Rock Progressivo/Psicodélico em nosso país, LP disputado à socos por colecionadores, trabalho cultuado na Europa e afins, o Módulo 1000 é uma banda que merece total atenção diante disso tudo, coisa que, infelizmente, não conseguiram na época do lançamento. Quem viveu que o diga.
À primeira audição, temos que analisar com cuidado todo esse conjunto de riffs e levadas sombrias que, com frequência, se faz presente no disco. Turpe Est Sine Crine Caput, por exemplo, cantada em latin, já dá a carta na mesa para mostrar o que se seguirá ao longo da audição, com muita pegada à la Black Sabbath e Led Zeppelin, coisas que Daniel Cardona ouvia e colocava em prática no processo de criação do Módulo 1000. Não Fale Com Paredes mantém a linha e se torna marcante pelos solos de guitarra gritados no meio de uma psicodelia em um dos momentos mais pesados do álbum. Espêlho vem em seguida dando um ar de calmaria em uma viagem pelo cérebro num ritmo sem volta, apenas convocando o ouvinte à ver "o outro lado da realidade" por meio de sons.
Lem-Ed-Êcalg, Glacê-De-Mel ao contrário, é um instrumental de apenas um minuto e quinze segundos freneticamente calcado no Rock Progressivo, lembrando, em alguns momentos, o Emerson, Lake & Palmer, mas com aquele lance original que o Módulo 1000 conseguia calcar em suas canções. Ôlho Por Ôlho, Dente Por Dente tem um riff marcante e um olhar fixo ao redor das letras que se encaixam perfeitamente à melodia e ao que tudo sugere. Metrô Mental, sem sombra de dúvidas, é um exercício alucinante e visceral. Se você não voltar da viagem, lembre-se de que no primeiro parágrafo da resenha a palavra "viagem" foi bem escrita e relevante, um aviso para algo que pode se associar ao filme de Stanley Kubrick, o clássico 2001, Uma Odisseia no Espaço, de 1968, onde a presença de diálogo fica para segundo plano para levar as reflexões do homem à um outro patamar de realidade e de filosofia. Teclados, como o próprio nome já diz, é uma peça instrumental e exercício auditivo do tecladista Luiz Paulo Simas.
Apenas teclados, mais nada. Salve-se Quem Puder segue a linha das duas primeiras faixas e indo à uma direção de muito peso centrado, termina sem que o ouvinte espere por isso. Animália encerra o treinamento musical desse raro item em uma outra doideira instrumental.
Com certeza, fazendo parte da história do grupo à época, todo esse punhado de músicas psicodélicas e de alucinações pesadas não agradou o pessoal da Top Tape, sendo, em muitos momentos, chamado de "merda!" pelo caras da gravadora, citando a enorme preocupação de lançar um disco sem nenhum "potencial comercial". Histórias essas que fazem do Rock 'N Roll algo apaixonante e delirante à ponto de se sair da sua gravidade normal, "Não Fale Com Paredes" com certeza está no Rock Brazuca do Vinho & Vitrola, para mostrar a boa música feita pelos cariocas Daniel Cardona (Vocal, Guitarra), Luiz Paulo Simas (Teclados, Órgão, Vocal), Eduardo Leal (Baixo) e Candinho (Bateria), uma grande pérola vagando no ar dos maravilhosos anos setenta. Sim, o Rock no Brasil não começou nos 80's.