Tlês é o terceiro volume da trilogia iniciada em 2004 por Adriana Partimpim – heterônimo infantil de Adriana Calcanhotto – na qual põe em questão a “música para crianças” que os adultos inventaram. Adriana, com o sobrenome que preferir, se dedica no reconhecimento de um potencial infantil em canções originalmente direcionadas para os adultos. É o transporte dessas canções para o universo lúdico de Partimpim e a abertura de janelas para o contato dos pequenos desde cedo com a obra de nomes como Chico Buarque e Caetano Veloso, para citar poucos, que tornam sua discografia tão especial. Os três discos se apresentam como resultado de um projeto bem definido por sua mentora, operando espertas conexões na seleção dos repertórios.
Depois de toda animação e folia de Dois (2009), e sua transposição para o palco, Dois é show (2010), com direito a Baile Partincundum (Adriana Partimpim e Dé Palmeira) e o carnaval Na massa (Arnaldo Antunes e Davi Moraes), Tlês anuncia a hora de dormir. Melhor aproveitar as palavras de Partimpim e João Callado em Também vocês: “hora de quietinho / de se cobrir com a noite lá fora / e de deixar-se ir / monstros sob a cama, também vocês / hora de dormir”. Tlês é basicamente um disco de estorinhas e canções de ninar. Para tanto, Partimpim recorre à velha de colo quente que canta quadras e conta histórias para ninar. Ninguém menos que a Tia Nastácia do sítio de Monteiro Lobato transformada em música por Dorival Caymmi.
São estorinhas de gente grande as que Partimpim conta para ninar, mas talvez tenham deixado de ser a partir dela. Lindo lago do amor (Gonzaguinha) aparece sob o contorno de fábula; Taj Mahal (Jorge Ben Jor) continua, sem perder o suingue, tentando contar a história de amor do príncipe Shah-Jehan pela princesa Mumtaz Mahal; Criança crionça (Cid Campos e Augusto de Campos) é um quase trava-língua contando sobre a criança que fez a onça dispensar a comilança; o tico-tico no fubá que O pato(Jayme Silva e Nelson Teixeira) fez com o marreco, o ganso e o cisne e que João Gilberto transformou em sucesso; o Passaredo de Chico e Francis Hime com seus incontáveis passarinhos que vieram voando do ano de 1975.
Até aí já se estabeleceram algumas conexões de Tlês com seus antecessores. Chico apareceu ao lado de Edu Lobo em Ciranda da bailarina no disco de 2004. Cid e Augusto de Campos também já emprestaram canções à Partimpim: Canção da falsa tartaruga em 2004 e Alface em 2009. Dessa vez, João Gilberto trouxe o samba do pato e companhia, mas em Dois foi a vez do baião que seu coração pediu, Bim bom. E por falar em baião, ele está presente desde a estreia de Partimpim, quando deuLição de Baião (Jair de Casto e Daniel Marechal). Agora é Gilberto Gil quem explica De onde vem o baião, tendo a presença ilustre do vovô centenário Luiz Gonzaga com um sample de sua voz no final da faixa.
Mais links. Partimpim virou parceira de Paula Toller, a mãe do inquieto e perguntador Gabriel de Oito anos (Paula Toller e Dunga), sucesso do primeiro disco. Salada russa, a parceria delas, parece continuar dando explicações engraçadas ao menino. Domenico Lancellotti, autor solitário de Borboleta em 2004, agora se junta a Alberto Continentino para perguntar Por que os peixes falam francês?. Ou seria mais uma pergunta do Gabriel? Introspectiva e delicada, mais parece uma canção-enigma no meio do disco. E para fechar, novamente Caymmi, com a canção de ninar definitiva da música brasileira, Acalanto. Alice, representante da terceira geração da família Caymmi, empresta sua voz à faixa num harmonioso e afetivo dueto com Partimpim. A propósito, Partimpim já havia cantando Acalanto na cerimônia de abertura dos jogos pan-americanos em 2007, no Rio de Janeiro.
Para dar conta dos arranjos de Tlês, Adriana contou com um time de músicos que já esteve presente nos Partimpins anteriores. Os nomes de Domenico Lancellotti, Alberto Continentino, Davi Moraes, Pedro Sá e Moreno Veloso são recorrentes na ficha técnica – todos neguinhos de Calcanhotto no micróbio, inclusive. Completam a lista, Kassin, Berna Cepas, Felipe Pinaud e o hermano Rodrigo Amarante. Foram esses os responsáveis pela execução dos instrumentos tradicionais e por tirar os barulhinhos deliciosos e inesperados de um arsenal ainda mais inesperado: moeda no captador da guitarra, desentupidor de pia no prato com água, parede, onça, um sem-fim de sintetizadores, e tanto mais que se permitiram experimentar. A sonoridade de Tlês, assim como a de seus antecessores, explora texturas lúdicas que saltam aos ouvidos de pequenos e grandes e tornam sedutoras até canções de inspiração mais banal como Também vocês.
Da concepção do projeto, à seleção dos repertórios, até a construção dos arranjos, Adriana demonstra toda sua sagacidade. Tlês é mais um ótimo título da discografia de Partimpim, que segue provocando a curiosidade das crianças sem jamais subestimar a inteligência delas. Para crianças espertas. E adultos também.
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