Não dá para dizer que qualquer um dos integrantes do Kiss mentiu ao anunciar “Sonic Boom”, seu primeiro álbum de inéditas em 11 anos. É verdade que o baixista (e falastrão) Gene Simmons exerceu sua parte marketeiro e exagerou ao dizer que este seria uma mistura de “Rock and Roll Over” com “Love Gun” – mas também deixou claro que seríamos apresentados a um álbum básico. O básico do Kiss, leia-se bem. Sem teclados, sem corais, sem baladas. Só “carne e batatas”, disse Simmons, no que podemos interpretar livremente para o Brasil como “feijão com arroz”. E é isso que “Sonic Boom” é: um disco que não tem nada de altamente inovador ou revolucionário, mas que reúne uma nova coleção de canções que são totalmente Kiss. E com o padrão de qualidade Kiss. “Sonic Boom” é um bom disco do Kiss. Isso não é bom?
Há quem diga que o Kiss apostou no mais fácil, que foi no jogo ganho. Mas você consegue imaginar este quarteto de mascarados fazendo qualquer música diferente? A ótima e pegajosa "Modern Day Delilah", primeiro single oficial, abre a bolacha dando a dica: é claro que o disco é mais anos 80 do que anos 70. Mas isso não é nem um pouco desabonador, pois estamos falando do jeitão de ótimos discos daquela década, como “Creatures of the Night” e “Lick It Up”. A produção ficou a cargo do vocalista Paul Stanley, que já tinha mostrado competência no cargo ao cuidar da produção de seu recente (e ótimo, apenas para constar) disco-solo, “Live to Win”.
Para si mesmo, inteligentemente, Stanley deixou os vocais de canções mais dançantes, de inspiração mais pop, como "Never Enough" e a deliciosa "Danger Us". Já a voz de Simmons entra, como de costume, nas faixas mais pesadas, dando aquela pegada especial a letras sacanas – basta ouvir "Hot and Cold" (“se está muito quente / você está muito fria / se está muito barulhento / você está muito velha”) e "Im an Animal" (“eu sou um animal e eu sou livre / sem regras e sem fronteiras / nada pode me deter”) para perceber que estes trechos de “Sonic Boom” estavam especialmente reservados para o linguarudo.
Os outros integrantes do quarteto, no entanto, também têm sua chance pilotando os microfones. Eric Singer, que em estúdio só comprova ser um baterista muito mais técnico e cadenciado do que Peter Criss, faz jus ao sobrenome (com o perdão do trocadilho infame) e canta com competência no hardão "All for The Glory". O mesmo acontece com Tommy Thayer, que consegue segurar bem a onda nas guitarras que um dia foram de músicos tão talentosos quanto Ace Frehley e Bruce Kulick – e ainda consegue a façanha de se sair bem cantando em "When Lightning Strikes". Não é pouco.
A prova de que “Sonic Boom” funciona de verdade e pode ser ouvido sem medo mesmo pelos fãs mais puristas e resistentes da banda reside na faixa “Stand”. A dupla Stanley e Simmons divide os vocais em uma letra do tipo auto-ajuda (“fique do meu lado / eu estarei próximo de você / quando você precisar de mim”) que chega a resvalar no pop rock brega. Mas só resvala, ali, bem de levinho. Porque, quando você menos espera, já está cantando o refrão grudento junto com eles, como só uma boa música do Kiss sempre consegue fazer. Por falar em refrão que te pega de jeito, o disco termina justamente com “Say Yeah”, com aquele gritinho feito na medida certa para contar com o coral dos milhares de fãs durante as apresentações ao vivo. Sim, a dobradinha Stanley/Simmons sabe muito bem o que está fazendo aqui.
“Sonic Boom” é o Kiss fazendo o que o Kiss sabe fazer de melhor: pura diversão. Exatamente como eles fazem quando sobem ao palco, com seus efeitos pirotécnicos e jogos de luzes. Afinal, as canções de “Sonic Boom” foram feitas para se integrar sem maiores problemas ao já conhecido setlist de clássicos que eles vêm mostrando ao longo dos anos em suas turnês. Nada mais natural. Nada mais Kiss.
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Publicado originalmente em
Whiplash e no
Observatório Nerd