Por Flávio Marques.
É samba que vocês querem? Maytê Corrêa, curitibana radicada na capital carioca que canta e compõe, tem muito dele para dar. Quer conferir?
Ter participado de bandas e grupos vocais acrescentou o que a cantora que você é hoje?
Participei de dois grupos vocais, o Grupo e MPB da UFPR, e o grupo Bayaka, no qual gravei 3 cds e fiquei por 5 anos. Foi muito importante na minha formação musical, na experiência com timbres e vozes diferentes, já que o Bayaka era um grupo de música étnica e cantávamos temas tradicionais dos 5 continentes. Plínio Silva e Liane Guariente nos dirigiam, grandes mestres!
As bandas também contribuiram muito para a minha carreira. Com a Risoflora, fiz minhas primeiras experiências como compositora, e experenciamos montagens de shows, divulgação, etc. Ali estávamos nos profissionalizando.
Em 2011, você lançou o primeiro disco solo, "Deixa o Samba Ir". Quatro anos depois, vem o DVD dele. Por qual motivo demorou tanto? O que o público pode esperar?
Sou uma artista que trilha o mercado independente, e nesse mercado, as coisas demoram um pouco mais para acontecer. Meu CD “Deixa o Samba Ir”, foi gravado com o apoio da Gramophone, mas levei alguns anos para quitar o valor total do custo do CD, inclusive tive que vender meu carro.... O projeto do DVD foi enviado pra Fundação Cultural em 2011 mesmo, porém, esse edital demorou muito tempo pra sair o resultado, e quando autorizaram a captação, já era 2014. Enfim, depois de tanta luta, teremos um DVD integralmente patrocinado, com uma produção de primeira, e músicos cariocas e curitibanos celebrando o samba no mesmo palco. Não poderia ser diferente, pois assim é meu trabalho, nessa ponte Rio-Curitiba.
No ABC do samba (Alcione, Beth Carvalho e Clara Nunes), o que a Maytê mais admira e se inspira?
As três cantoras são referências maravilhosas. Alcione, com sua precisão de trompetista, canta com força e beleza. Beth, a madrinha do samba, tem uma linda trajetória, e ainda alcança o grande público. Clara Nunes foi a grande interprete do samba, o samba a revelou para o Brasil e o mundo.... Clara levantou bandeiras importantes, como a valorização da cultura afro-brasileira. Com seu canto mestiço, Clara cantava nossas raízes, nossa cultura, ela tinha identidade, autenticidade e muito carisma. Me identifico muito com essa brasilidade, com essa mestiçagem, sou brasileira.
Como é fazer samba, um ritmo quente, numa terra fria, como Curitiba?
Curitiba tem muito calor humano..... A mão é fria e o coração quente... Rsrs.... Existem sambas lindos sendo feitos por aí, temos projetos importantes como o Samba do Compositor, onde todos tem oportunidade de cantar seus sambas inéditos, temos também interpretes que cantam samba com muito fundamento, como Mãe Orminda e Ciro Moraes. O samba é o gênero matriz do nosso povo, de norte a sul temos compositores e grupos que cantam os sambas eternos de Cartola, Noel, João Nogueira, Paulinho da Viola, novos sambas, jovens pesquisando e cantando samba de terreiro. Eu amo cantar samba nessa terra fria, pois o público canta e se emociona junto comigo.
O que gostaria que seu pai, se vivo estivesse, disesse da artista que você é atualmente?
Meu pai seria um grande apoiador da minha carreira.... Acho que ele teria muito orgulho, faríamos muitas composições juntos, ele era compositor.... Aliás, fizemos uma esses dias, póstuma, claro... Quando ele estava doente, pouco tempo antes de falecer, pediu para eu e minha mãe anotarmos uma poesia, e que era pra gente passar pra frente essa mensagem.... Esses dias acordei com essa poesia na cabeça, e aí veio uma melodia, um samba.... Depois Abel Luiz colocou mais uma parte para fechar a música. Os primeiros versos dizem “construa sua ponte para a liberdade, você merece ser feliz, seja o que for que te aprisiona, será mais forte a nossa raiz, somos a semente de uma divindade, e nada nesse mundo pode aprisionar, pois seu tempo é a eternidade, e nosso desafio é nos superar....” Acho que ele diria pra todo mundo que somos mais do que pai e filha, somos parceiros de música e de alma....
Acha que o monopólio do pagode atrapalha quem faz samba de verdade?
Acho que o problema não é só o monopólio do pagode. O problema é que não somos ensinados a ouvir e conhecer a música brasileira na escola, as crianças crescem sem saber quem foi Candeia, Cartola, Noel, Clara. Não sei o que acontece com o Brasil, em outros países as pessoas reverenciam seus grandes compositores, conhecem suas histórias e suas origens. No Brasil, todo mundo sabe quem foi Michael Jackson, mas nem imaginam quem foi Nelson Cavaquinho. Os americanos sabem que vendendo sua cultura, dominam o mundo. Nossa cultura é uma das mais ricas do mundo, poderíamos ser uma grande potência se soubéssemos quem realmente somos. O samba é a voz do nosso povo, ele conta nossa história, com a alegria, as dores, e a luta diária. O samba é número baixo, e merece respeito!