Poucas bandas no mundo sobreviveram à saída de seus cantores. Menos ainda, à saída de dois. Tem que ter coragem. O Barão Vermelho chega ao 18 o disco, VIVA , um contundente grito de paz e amor diante de tantas exaltações à guerra. O novo álbum é o primeiro desde 1986 sem a voz de Roberto Frejat. Em seu lugar, o escolhido foi Rodrigo Suricato, guitarrista mirabolante e cantor atrevido, claramente influenciado por seus antecessores no grupo.
"Mais do que o som, o Barão tem uma voz própria, agora pela garganta do Suricato", destaca o baterista Guto Goffi, que fundou o Barão com Maurício Barros, em 1981. "Nada mais rock and roll do que seguir, mesmo depois da saída de nomes como Cazuza e Frejat", diz Suricato, que além de guitarras e voz, é autor de diversas composições no álbum. "Suricato é um guitarrista absurdo. Acho que jamais vi um cara tocar tanto", elogia Fernando Magalhães, no Barão desde 1985.
"VIVA" marca, ainda, a volta do tecladista, produtor e cantor Maurício Barros, que havia deixado de ser membro oficial em 1988, embora tenha produzido, tocado e composto para o grupo desde então. "Maurício sempre esteve conosco nos shows e produzindo discos. Mas havia deixado de ser integrante em 88. Não havia escolha. Ele tinha que voltar ou o Barão acabava", celebra Guto Goffi.
Incrivelmente, VIVA soa como um primeiro disco. Transborda identidade e provocação. Não seria absurdo dizer que trata-se do melhor álbum de inéditas do Barão desde o premiado Na Calada da Noite (1989), que marcava a acolhida de público e crítica ao grupo após a saída do inconfundível Cazuza.
"A gente não começou a compor agora", reforça Barros, co-autor de tantos sucessos do Barão, como Por Você (com Frejat e Mauro Santa Cecília), a mais tocada na história da banda. "A primeira música do grupo, Billy Negão , foi escrita por Cazuza, Guto e eu. Depois fizemos juntos, por exemplo, Puro Êxtase ". Barros e Goffi são co-autores de canções como Menina Mimada , Blues do Iniciante , Torre de Babel , Declare Guerra , Pense e Dance e Tão Longe de Tudo .
Nos discos que se seguiram à saída de Cazuza, nomes como Arnaldo Antunes, Renato Russo, Luiz Melodia, Wally e Jorge Salomão, Dulce Quental, o poeta Mauro Santa Cecília e o eterno produtor Ezequiel Neves, estiveram entre os parceiros de composição. "No passado, buscamos letristas de fora, mas dessa vez decidimos que seríamos apenas nós", conta o guitarrista Fernando Magalhães.
O grupo não gravava um disco de inéditas desde 2004. VIVA abre com a faixa Eu Nunca Estou Só, com raízes no blues, que sempre orientou a banda e é referência também para Suricato, a canção foi feita pelos quatro integrantes em cerca de 10 minutos. "Foi incrível. Ali selamos o nosso pacto com o destino da banda", lembra Suricato. A letra ratifica a mística blueseira e brasileira do Barão: "É que eu me conheço no meio desse nada / E aos poucos me entendo nessa encruzilhada".
Eu Nunca Estou Só também absorve referências da cultura hip hop – por que não, outro filho do blues e suas muitas transas. "Chamamos o rapper BK, porque queríamos esse diálogo. O hip hop traz na sua essência a mesma contestação libertária do rock", diz Suricato. "Os dois gêneros são vizinhos de porta", diverte-se BK, que escreveu os versos do rap da canção.
Em seguida, vêm Por Onde Eu For (Barros/Suricato) e Jeito (Barros), um hino à diversidade composto pelo tecladista. "O disco celebra a vida, mas atento à realidade. Essa canção fala de tolerância. A gente é o que é, cada um de um jeito", afirma Barros. Esta não é a única faixa de VIVA a desafiar as ameaças às liberdades. Tudo Por Nós 2 (Barros/Goffi), um pancadão roqueiro com riff aliciante, reforça a verve rebelde da liturgia baronesca. "Todo esse bagulho é pra nos confundir/Nada vai nos dividir/ Será?", ataca Barros nos vocais.
" A gente declarou guerra lá em 1986, mas achamos que o amor, especialmente nesse momento do mundo e do Brasil, é revolucionário". Canções de amor não faltam, portanto. Vão da balada esfumaçada Castelos (Barros) à inebriante Um Dia Igual ao Outro (Suricato), passando por Pra Não Te Perder (Goffi/Suricato), com participação de Letícia Novaes (Letrux). "Essa música tem uma coisa quase genética, maternal", comenta a cantora, sobre a poesia de Guto Goffi.
A Solidão Te Engole Vivo (Goffi/Magalhães/Barros) conecta a sonoridade já conhecida do Barão e o que a banda quer para o futuro. "O melhor disco tem que ser sempre o próximo. Estamos olhando pra frente", reforça Goffi. Vai Ser Melhor Assim (Suricato) completa o disco e não deixa dúvida: o Barão está vivo, elétrico e atiçado como fio desencapado.