A banda Curitibana "Pão de Hamburguer", que já foi destaque aqui no Galeria Musical, acaba de lançar o seu primeiro DVD, "Ao Vivo no Guairinha", em formato independente. O nosso colaborador Rafael Corrêa nos preparou uma matéria sobre esse histórico lançamento, importante não só para a cena musical de Curitiba, mas para toda a cena musical independente brasileira, mostrando que é possível caminhar e atingir os objetivos, mesmo sem o apoio das grandes gravadoras.
É tempo de sinceridade. Desde a política até os simples (ou complexos) acordes que saem do estéreo, vemos claramente a necessidade de sermos "sinceros", quase que em todas as medidas. No dia 22/10/2010, foi exatamente isto que o Pão de Hamburguer fez: ao festejar o lançamento de seu primeiro DVD, "Ao Vivo no Guairinha", lançamento em formato independente, a banda deu a todos que compareceram ao John Bull Pub o melhor que a arte verdadeiramente sincera pode proporcionar: alegria, diversão, deleite. Tudo isso (e mais tantas outras coisa que, se aqui narradas, seriam por demais extensas) em roupagem de som, de música, a melhor feita em Curitiba nestes últimos anos.
É preciso entrever a importância do lançamento não apenas em face da banda em si, mas também (e, talvez, principalmente) para o que o Pão de Hamburguer representa hoje na cena musical curitibana. Tantas e tantas vezes, cansamos de dizer e de ouvir que Curitiba, em termos artísticos, precisava de mudança, de uma nova movimentação, de um novo vetor de criatividade que impulsionasse as novas bandas à mostrar seu som do lado de fora da garagem. Da "reprodução" que há tempos macula essa cidade, veio a "produção" de novas idéias, novos grupos, novos sons. Por isso, talvez a maior importância engendrada pelo DVD "Ao Vivo no Guairinha" não se direciona apenas ao Pão, mas sim, à cena musical de Curitiba, que finalmente sai da sombra para acomodar-se confortavelmente ao Sol.
Tanto isso é verdade que, na noite do lançamento, duas outras bandas independentes acompanharam o Pão: O Conto (que fizeram todos mergulhar na mais doce psicodelia, com direito a baterista tocando trompete) e Eles Mesmos (banda das mais fortes, que encerrou a noite com a energia usual do rockabilly) fizeram as vezes de verdadeiros cicerones dos recôncavos da música curitibana, apresentando suas canções àqueles que (à exemplo deste que escreve) ainda não haviam desfrutado de seu trabalho. Ainda que inconscientemente, o Pão fez questão de apostar no novo para fortalecer a noite cada vez menos opaca de Cwb.
Já passava da meia-noite quando o Pão de Hamburguer subiu ao palco. No "telão" à frente da banda, a introdução do DVD foi exibida, despertando definitivamente a curiosidade para vê-lo por completo. À exemplo do que ocorreu na noite da gravação, no Auditório Salvador de Ferrante, o Pão abriu seu show com a porrada sonora provida por "Sr. Dalí", uma das canções mais fortes e densas do grupo. É engraçado perceber a relação que íntima que o Pão de Hamburguer mantém com o tempo: basta os primeiros acordes das canções escaparem das mãos de Joel, Leo, Brunno, Rennan e Gabriel para que ele (o tempo) tire o pé do acelerador, reduza a marcha e possibilite ao público desfrutar das canções da banda com a calma e excitação necessárias.
Após "Sr. Dalí", o Pão atacou o público com todas as canções contidas no DVD, acrescidas com "Será Que Eu Vou Virar Bolor" (de Arnaldo Baptista, executada também no show que originou o DVD, mas que ficou de fora por questões "formais") e a excelente "Have a Nietzsche Day", nova canção do grupo que vai integrar o novo EP da banda, refente ao projeto Gravando Curitiba, cujo lançamento, vejam só, ocorreu no day-after ao lançamento do DVD. Como sempre faz a cada vez que sobe ao palco, o Pão divertiu, fez sorrir, gritar, pular e dançar todo um público de amigos, convidados, penetras e gente que os via pela primeira vez. Talvez por isso justifique-se a imagem que o Pão de Hamburguer passa a platéia: a de ser uma grande família que todos, sem exceção, podem integrar. Basta ouvir ao seu som.
Quanto ao DVD, "Ao Vivo no Guairinha" transpassa ao espectador, de modo fiel, toda a energia que permeou o show ocorrido no dia 26 de junho. Toda a vibração, força e sentimentos percebidos naquele dia podem agora ser compreendidos mais uma vez, ou melhor, quantas vezes o espectador quiser. É um material de ampla qualidade, que poucas bandas independentes de Curitiba apresentaram em sua carreira, como o Blindagem, por exemplo. Por esta razão, "Ao Vivo no Guairinha" é recheado de momentos memoráveis: "Jonas" e "Homem do Dia" cumpriram sua missão em fazer o público dançar, cantar e pensar, já que as letras de ambas as canções remetem o ouvinte à uma reflexão, por vezes inconsciente. "Lição de Vida" segue este mesmo exemplo em sua execução, assim como tantas outras, como a dançante "Princesinha do Tio", cantada integralmente pela platéia, e "Ontem e Hoje", faixa título do primeiro conjunto de gravações do grupo. "Oh Pai" também merece louvores, pela força raivosa que sustentou sua execução naquela noite. Mas o ponto alto vem com "As Noites Não Mudaram", canção introspectiva calcada em uma excelente construção musical, potencializada ao extremo com a participação de Fernanda Fausto (prima da família Pão de Hamburguer) na flauta. Trata-se, de fato, de um belo e especial momento, que se repetiu integralmente no lançamento do DVD.
Além de tudo isso, o Pão acertou em cheio em intercalar as canções no DVD com pequenas entrevistas com cada integrante da banda. É como se os próprios integrantes, com a humildade e cordialidade que lhes é peculiar, convidassem a quem os vêem a embarcar em seu mundo. Deste modo, o espectador não houve e vê apenas as canções do Pão, mas passa a conhecer, de um jeito descontraído e cativante, a razão de ser das músicas e, em alguma medida, daqueles que compõem a banda.
Por tudo isso, "Ao Vivo no Guairinha" representa uma doce vitória para cena curitibana e para o próprio Pão. Diversas foram as testemunhas (e faço questão de me incluir neste rol) do suor derramado por Joel, Leo, Brunno, Rennan e Gabriel para transformar esta idealização utópica na saborosa realidade concretizada na última sexta-feira. Esta vitória, certamente, representa por igual o início de um novo caminhar do Pão de Hamburguer; mas desta vez eles não caminharão sozinhos: o som dos passos de todos nós se juntaram às suas canções. Ao Pão de Hamburguer, os nossos sinceros agradecimentos por nos incentivar a caminhar, correr e cantar. Que assim seja sempre, sempre, enquanto durar.